Responda com sinceridade: em que lugar do mundo um ex-procurador geral da República afirmaria candidamente que planejou matar um juiz da suprema corte e depois se suicidar? Rodrigo Janot o fez.
No Brasil é assim: lança-se bombas sobre as cabeças dos cidadãos e fica-se a assistir as caras de susto, as redes sociais a fervilhar, os debates incandescentes que se provoca. Vale a pena ser irresponsável na nossa terra, cujo solo parece adequado ao florescimento de escândalos diários.
A desculpa de Janot para o quase-crime: Gilmar Mendes levantou suspeitas sobre a filha do ex-PGR. Na esteira de uma longa disputa com o ministro, ele teria ido armado ao STF a fim de “dar um tiro na cara” de Mendes.
A declaração de Rdrigo Janot surgiu no mesmo dia em que a maioria do STF votou a favor de uma tese que pode levar à anulação de sentenças da Lava Jato. Cenário perfeito para açular o ódio popular contra uma corte cuja credibilidade é, com muita razão, praticamente nula. Outra coincidência interessante: o ex-PGR em breve vai lançar um livro sobre os subterrâneos do poder em Brasília.
Não acredito em coincidências desse tipo, embora não seja adepta de teorias da conspiração (modalidade muito apreciada entre os brasileiros nos dias atuais).
A reação de boa parte dos cidadãos à declaração de Janot? Apoio, memes, risadas, frases supostamente espirituosas nas redes. Deveria ser seguida de uma indignação coletiva, se fôssemos minimamente sérios. Não somos. Nosso pensamento político em geral é raso, maniqueísta, minúsculo e construído com base em mensagens divulgadas via WhatsApp.
A reação, via de regra, é berrar de indignação pedindo alguma medida francamente despótica: fechamento do Congresso, do STF, das universidades. Às favas as instituições e o longo processo para aprimorá-las – queremos sangue.
Dada a sucessão vertiginosa de escândalos (de corrupção ou causados pela incapacidade de refrear a própria língua), o cenário político brasileiro me parece uma competição sem limites sobre quem é capaz de proferir mais frases ofensivas ou escandalosas. Cada amanhecer traz um desafio: superar a agressão do dia anterior.
Examine as últimas 24 horas do noticiário e das redes sociais. Um desfilar chocante de declarações violentas sobre tudo.
De autoridades da República a cidadãos anônimos, há um quase fetiche por divulgar notícias falsas, frases de efeito e ataques a adversários.
Se o lulo-petismo nos atirou nesse lago incandescente de ódios fratricidas, o Bolsonarismo nos mantém a cabeça mergulhada no poço de lava e enxofre.
O pior é que vicia. Um simples olhar para as redes sociais nos prova isso. De “piadas” grosseiras sobre a aparência das pessoas a ataques gratuitos a quem se odeia, o país aprova com gosto a modalidade de ser governado com o fígado e sob a égide da vingança. Tudo sob o beneplácito dos autodenominados “cidadãos de bem”, cuja arrogância e patrulhamento toma a internet, dando demonstrações ostensivas de má educação e autoritarismo.
Sintetizo meu cansaço numa frase de Nietzsche: “Há muitas coisas que absolutamente não quero saber. A sabedoria traça limites, mesmo ao conhecimento”.
O Brasil, meu velho Nietzsche, não é terra de filosofia, mas de um cotidiano construído à base de golpes de martelo. Reais e virtuais.
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Imagem: La réproduction interdite, de René Magritte.