Cheguei. Chegaste.

Vinhas fatigada e triste, e triste e fatigado eu vinha.

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha…*

E nos olhamos. A jabuticaba dos meus olhos encontrou o azul dos teus, bem no centro do teu rosto pontilhado de estrelas. O nó na minha garganta me impediu de te falar de amor ou dos sonhos que carrego para nós. No silêncio que se seguiu, apertaste meus dedos, compreensiva.

Disfarcei e te apontei um pedacinho de céu a partir da janela do Waldir. Mas minha mão parou no ar. É que vi as marcas em teu rosto. Tão feias.  Unhadas de desrespeito, bofetadas de desapreço, socos de desamor. Douradas lágrimas deslizavam até o teu vestido verde, enfeitado de praias, palmeiras e sabiás.

Eu quis passar a mão nos teus cabelos e beijar-te- como faria o poetinha Vinicius. Não consegui. Havia algo amargo em minha boca. Um fel que era feito de dor e de lamento, de mágoa e de espanto, de impotência e de cansaço.

Tentaste me animar. Falaste coisas lindas em villalobês. Sorri e respondi em noelrosês, com sotaque meio adonirês meio ataulfês e pitadas de paulinhodaviolês (não sou tão erudita assim). Afinaste o violoncelo e teus sons de maxixes e modinhas encheram meus ouvidos com lua, sereno e floresta. Afinei um cavaquinho e te ofereci um choro sentido: Odeon, do mano Nazareth.

Meus olhos mergulharam em ti. Vi na tua boca farta os sabores doces e ácidos dos frutos maduros dos dias. Eu os mordi nos teus lábios e seu sumo era um sangue sagrado.

Peguei a rosa mais linda que havia e enfeitei tua noite, meu bem, meu amor. A lua, emocionada, furou nosso zinco e salpicou de estrelas o chão. Enquanto tu pisavas nos astros, distraída, meu coração, mais uma vez, se perdeu em ti.

*”Nel mezzo del camin…“, Olavo Bilac

Pintura: Anne Marie Zilberman

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