δοὺ μάγοι ἀπὸ ἀνατολῶν παρεγένοντο εἰς Ιεροσόλυμα (Logo depois, alguns homens sábios vieram do Oriente para Jerusalém). Mt 2: 1

Durante meses eles observaram os céus. Conversaram entre si, fizeram cálculos. Os números os fascinavam – eram seu sonho e seu roteiro. Observaram a dança dos astros e concluíram: ela viria. Era preciso segui-la. Longa jornada.

O negro veludo da noite estava bordado de diamantes quando saíram. Um ar frio tomava o deserto. Dunas e dunas sem fim. Os camelos pisavam a areia fofa, tão calmos.  Os olhos deles seguiam pregados nos céus. Ali estava ela, uma luz nova no firmamento. Um reflexo de prata pequenino, apontando a rota.

O sol da manhã os encontrou adormecidos nas tendas. Sonhavam com o brilho pálido a se destacar entre as estrelas. Durante dias e dias caminharam, certos de que ela os guiava – mesmo quando a claridade os impedia de vê-la, estava lá, invisível. Homens de ciência, faziam da natureza seu livro, templo e amante. Na viagem, recolhiam pedras e animais, anotavam a posição dos astros e sorriam dos desenhos que o vento fazia na areia. Nunca deixavam de se  encantar com o frescor adocicado dos oásis ou de sorver com prazer renovado a água que brotava do chão. À sombra das palmeiras, regalavam-se com doces tâmaras, leite e mel.

No fim da tarde, vermelhos e laranjas incendiavam o céu sem nuvens e eles contemplavam, extasiados, a grande bola de fogo a se esconder no horizonte.  Sorriam uns para os outros e voltavam o rosto para o leste, mais escuro, onde ela já brilhava, serena. A brisa fria da noite lhes agitava os cabelos enquanto olhavam o seu caminhar pelo firmamento.

Muitos dias se passaram até entrarem na cidade. Após a solidão do deserto, os sentidos foram invadidos por matizes, aromas, ruídos e sabores. Divertiram-se com o burburinho de cabras e ovelhas nas ruas. Atravessaram o mercado esquivando-se dos vendedores, apreciando os elaborados desenhos dos tapetes, espantados com a profusão de perfumes, unguentos, azeites e cestos de cevada e figo. A tarde chegava ao fim e ainda não haviam encontrado vaga nas hospedarias. Tudo ocupado no centro da cidade. Buscaram lugares mais afastados, pedindo informações aos moleques que corriam entre as vielas. As lamparinas espalhavam luz dourada e alongavam sombras nas casas, de onde vinha um cheiro de pão assado e gordura de carneiro.  Burricos e velhos camelos impassíveis mastigavam ervas.

De repente, algo os atraiu. Nunca saberiam dizer porque olharam simultaneamente para o estábulo escuro. Desceram dos camelos e entraram. Panos sujos de sangue, um parto recém-ocorrido. As gotas de suor ainda porejavam na testa da mulher de longos cabelos. Ela recostou-se, cansada, entre as palhas que o companheiro trouxera. O pai limpava o menino, cobrindo-o com panos pobres. Os bichos faziam silêncio e espiavam com olhos dóceis a nova vida que surgia.

Entraram devagar, os três. Temiam quebrar a harmonia da hora. O homem os olhou, em silêncio. Barba cerrada, muito preta. Os olhos castanhos, de cílios compridos, eram ternos e calmos.

– Nasceu agora?

– Agora, respondeu o pai, cobrindo com areia as gotas de sangue no chão.

Aproximaram-se.  O menino tinha escuros cabelos e pele fina, como a de todos os recém-nascidos. Lentamente  abriu os olhos e eles contemplaram, por um segundo, o universo em seus olhos. Nas íris bailavam sóis e planetas, nebulosas e cometas, berçários de estrelas. E bem no centro delas, o escuro da pupila tornou-se pálido, com familiar brilho de prata. Ei-la novamente: descera do céu para habitar os olhos do menino. A jornada chegara ao fim.

Os joelhos se dobraram e um longo silêncio se fez em todos os espíritos. Queriam dar algo de si, mas tinham tão pouco. A viagem havia sido longa, os recursos estavam esgotados. Quase nada traziam consigo, além de ervas medicinais e plantas aromáticas.

Um deles retirou do dedo o seu único anel de ouro. Estava reservado para pagar as despesas da volta. Depositou-o, sem dizer palavra, nas mãos do pai da criança. Um perfume se espalhou pelo ar quando o outro retirou o incenso das dobras da túnica. O terceiro entregou mur para a mãezinha cansada.  Os pequenos tesouros trocaram de mãos.

Um silêncio repleto de doçuras caiu sobre eles.

Seguiram viagem por outros caminhos, mergulhados na memória de mistérios imensos e sonhos de amor. Muitos anos se passaram sem que jamais esquecessem que viram um menino que tinha olhos de estrela.

***

Imagem: A Jornada dos Magos (1894), de James Jacques Joseph Tissot