Aqui está o Vesúvio, dias atrás verdejante, com vinhas sombreadas –

estas colinas que Baco amava mais do que as terras de Nysia;

estas montanhas em que há pouco tempo os sátiros dançavam.

Esta casa de Vênus era mais prazerosa que Esparta,

este lugar famoso por causa do nome de Hércules,

Tudo isso jaz coberto de chamas e cinzas tristes.

(Marcus Valerius Martialis. Epigramas IV, 44.1)*

Numa fresca manhã de outono do ano de 79 d.C., o vulcão Vesúvio acordou de um prolongado sono de mais de 500 anos. Aos seus pés, floresciam vinhas e uma pequena cidade voltada para as alegrias da cama e da mesa: Pompeia. Em poucos minutos, fogo e cinzas sepultaram copos de vidro, jarras coloridas, estátuas de jardim e pães recém-saídos do forno. As casas decoradas com mosaicos e afrescos tornaram-se o túmulo de milhares de habitantes da cidade que cultuava dois mundos – o da morte e o dos prazeres.

Na vizinha vila de Oplontis, uma jovem mulher viu o perigo e tentou escapar. Pôs nos dedos os delicados anéis de ouro, um bracelete e – por uma razão que jamais saberemos – no pescoço colocou um colar de contas sem qualquer valor material. Já não havia tempo para a fuga. A onda destrutiva a alcançou e a matou instantaneamente, com todos os seus escravos. Seu esqueleto preservado, coberto por fina camada de resina, é exibido agora nos museus e ela ganhou um novo nome: A dama de Oplontis. Junto com ela estão suas joias e uma coleção de objetos que nos espantam por parecerem tão próximos da nossa realidade.

Pompeia permaneceu soterrada por mais de dezesseis séculos e emergiu em 1748, preservada como uma cápsula do tempo. Desde então, fascina milhões de pessoas por trazer de volta, em detalhes, o modo de vida dos antigos romanos do século I. Ao ver seus pedaços, é inevitável o arrepio: móveis, potes e alimentos tão semelhantes aos das nossas casas do século XXI. Dois milênios se passaram e continuamos a fazer as coisas do mesmo jeito, a ver desaparecer preciosidades num piscar de olhos.

Esta semana, em uma exposição de apenas 150 objetos vindos de Pompeia e Oplontis, revisitei a antiga sensação de que é necessário viver uma vida plena, pois que a morte está à porta. Num repente ela chega, arrastando consigo os tesouros que acreditamos carregar. Observei as esculturas de mármore em tamanho real, os feijões carbonizados e os palitos de dente feitos de ossos, fragmentos de um cotidiano desaparecido, retrato da fragilidade da existência e tradução da impermanência que marca todas as coisas.

Baco dominava a exposição. Não por acaso. O deus do vinho tinha alta importância na vida dos habitantes de Pompeia. Ele estava ostensivamente presente na imponente estátua de mármore de quase dois metros logo na entrada da exposição, num afresco que fazia parte de um santuário doméstico e em uma escultura de bronze – mas seu espírito estava em toda parte, impregnando cada porção sobrevivente dos dias de Pompeia. Esta era fascinada por mesa farta, pela arte de beber em abundância e pelas festividades. Carpe diem (aproveite o dia) era o lema de um grupo social que cultuava as alegrias do corpo.

A sexualidade, tratada com destaque e bom humor pelos moradores de Pompeia, era representada por mosaicos contendo cenas eróticas – alguns exibindo casais em pleno ato sexual ou esculturas com pênis de tamanho exagerado, referência ao deus grego Priapo, filho que reunia a explosiva combinação dos amores de Afrodite com os vinhos de Dionísio.

Nos jardins, afrescos com pássaros e plantas criavam atmosferas agradáveis, mosaicos com espécimes marinhas e toda sorte de objetos decorativos compunham os ambientes nos quais os moradores de Pompeia se dedicavam ao desfrute de tudo o que lhes era possível.

Todos esses rituais de prazer estavam presentes nos detalhes que vi. Grupos de homens e mulheres reclinados em tricliniuns, bebendo as doçuras. Rostos sorridentes, copos cheios, belos corpos. Eternizados pela arte, atravessarão os séculos servindo-se de alimentos – lentilhas, grão de bico, feijão, frutas – em pratos de bela cerâmica. Numa redoma de vidro, descansava um pão enegrecido. Milenar pão, cujo formato caprichado me comoveu. Ao lado dele, jarras de vidro, potes de geleia, grelhas, forminhas de mini bolos e travessas parecidas com as que encontramos em qualquer loja do mundo. O mesmo percebi nos equipamentos agrícolas. Foices, ancinhos, enxadas tão iguais.

Observar cada objeto banal traz lampejos da Pompeia de abundantes festas, música, bebida, sexo e mil outros deleites. É quase possível ver homens e mulheres festejando, reclinados, deliciando-se com os pratos que vinham das escuras cozinhas; sentir os mexilhões a cozer nos potes perfurados, provar o gosto de peras e uvas servidas nas bandejas. E, de repente, num átimo, tudo soterrado, queimado, perdido. Escravos e senhores, jovens e velhos, bons e maus transformados em estátuas de cinzas.

Não faltaram sinais de alerta aos habitantes de Pompeia. Durante meses eles os notaram. Ainda assim, decidiram permanecer. Talvez considerassem que desfrutaram de todas as delícias possíveis e tudo estava bem. A morte era sempre lembrada em meio aos risos e alegrias das festas romanas. Não por morbidez, mas como um lembrete para aproveitar os prazeres da vida. Os convidados de um banquete viam objetos que lembravam a própria mortalidade, meditavam sobre eles, conversavam sobre o seu significado profundo e se sentiam ainda mais motivados a aproveitar cada segundo da festa, das comidas perfumadas, do vinho. Não deixa de ser um poderoso exercício filosófico.

Vêm à minha mente os recados dos poetas. Primeiro, Horácio e seus versos imortais “dum loquimur fugerit invida aetas. Carpe diem quam minimum credula postero” (enquanto falamos, o tempo invejoso passa voando. Aproveite o momento e confie o mínimo no amanhã); depois um texto (Pseudo Virgílio, acho) no qual uma anfitriã vê a morte puxando a orelha de um folião e sussurrando: “Vivite… venio” (viva, pois estou chegando).

Penso na dama de Oplontis: que significaria o cordão barato? Presente dos pais já mortos? De um amante? de um filho? Por que o trouxe junto com o ouro? Viveu tudo o que desejava? Arrependeu-se de algo no último instante? Enquanto rememoro Horácio e sua poesia sobre o desfrutar dos dias até a finitude percebo, diante de mim, um mosaico no qual um esqueleto carrega uma askoi (jarra de vinho) em cada mão. Aguarda atrás do eterno sorriso de Baco.

Sorrio, medito no significado e faço como os romanos: ergo a taça dos meus dias em um invisível brinde à vida.

Carpe diem.

No original, o poema de Marcial:

Hic est pampineis viridis modo Vesbius umbris,
presserat hic madidos nobilis uua lacus: haec iuga quam Nysae colles plus Bacchus amauit;
hoc nuper Satyri monte dedere choros;

haec Veneris sedes, Lacedaemone gratior illi;
hic locus Herculeo nomine clarus erat.

Cuncta iacent flammis et tristi mersa fauilla.