O sol se infiltrava entre as folhas e ele ria. Ria com gosto, esquecido por um instante do que pesa no corpo. Tão bonito.
Contava histórias com gestos largos, exagerados, como se a vida coubesse inteira nas suas mãos.
A cor voltava devagar ao rosto, os olhos brilhavam.
Ela o olhava como quem segura algo que não quer soltar. Não era piedade, tampouco medo, mas aquele amor imenso que escapa pelos olhos. Amor desarmado. Uma forma de espera.
As mãos dela, pequenas, absurdamente pequenas – mãos de bonequinha de biscuit – seguravam a taça de vinho, sustentando o instante.
Quem passasse e visse a cena não suspeitaria da quimioterapia.
Do que ele falava? Já não lembro, tão absorta estava.
Palavras são ondas: vêm, quebram, se dissolvem.
O que ficou foi o som da risada,
o gesto,
o brilho,
o milagre provisório de estar ali – inteiro.
E no fundo da minha mente (ou do meu coração?) Caetano cantava, suavemente: “Existirmos: a que será que se destina?”
Senhores, eu já escrevi mil vezes sobre estoicismo. Em crônicas, artigos, pequenas epifanias racionalizadas.
Mas foi ali, no jardim, que finalmente entendi.
O estoicismo verdadeiro torna tão pequenas as palavras. Está no corpo que resiste, na carne que sorri, no olhar que não se curva. Nas despedidas disfarçadas de encontros, na beleza que às vezes vem para partir logo depois.
Estoicismo.
Ele é imenso quando encarnado.
É um homem rindo ao sol, mesmo sob sentença.
É uma mulher amando no presente, como quem segura o tempo.
A vida – leve, etérea – passava entre as folhas, como luz, como som, como vinho.
A matéria é fina. Papel de seda.
Carpe diem.
Invictus
William Ernest Henley (1875)
Dentro da noite que me cobre
Escura como um poço
Agradeço a quaisquer deuses que existirem
por minha alma indomável
Sob a garra cruel das circunstâncias
não tenho tremido ou gritado alto
Sob os duros golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas não se curva
Para além deste lugar de ira e lágrimas,
Ergue-se apenas o horror da sombra.
E ainda assim a ameaça dos anos
Me encontra e me encontrará sem medo.
Não importa quão estreito o portão
Quão carregada de castigo a sentença,
Eu sou o senhor do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma.
Invictus, o poema original
Out of the night that covers me,
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate,
I am the captain of my soul.
A mente quieta, a espinha ereta, o coração tranquilo
Texto lindo e poético. Derrama uma tal ternura que dissolve a dor.
“É tudo uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta, o coração tranquilo“
Bom domingo, Soninha! ❤️
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querida Sonia
Estou relendo Clarice, A hora da estrela.
” vivemos exclusivamente no presente, pois sempre e eternamente é o dia de hoje, e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas nesse momento “
Vocês viveram um momento de eternidade !
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