Ele veio. Silencioso e pequenino. E se aconchegou em nós. Não trazia paz, nem alegrias. Trazia mensagem. Uma só. Breve e contundente.

Não demos atenção. Medo nenhum, temor zero. Ele está muito longe, lá do outro lado do mundo. Não nos alcançará.

Ele riu-se um pouco. Um riso triste. E entrou no avião.

Logo nos remexemos na cadeira, mas ainda orgulhosos: ele leva só os velhos, disseram alguns. Deixe-os morrer, bradaram outros. Somos jovens, estamos a salvo. Insensatos, sussurrou o minúsculo. E se aconchegou mais ainda, cobrindo-se com o cobertor de nosso corpo, fazendo de nós sua morada, espalhando-se sorrateiro.

Então eles se foram, os idosos, arrastando consigo a herança, as tradições, a riqueza de um passado de receitas secretas, cantos antigos, jeitos de tecer. Muitos de nós choraram, porque não eram desalmados, porque amavam, porque reverenciavam os que vieram antes e pavimentaram o caminho que agora percorremos.

O pequeno então riu um riso amargo, de canto de boca, embora boca não tivesse. Ajeitou-se um pouco mais e posou para o microscópio da ciência. Parecia um pequeno satélite deitado sobre um tecido colorido. Agora ocupava mais corpos. De jovens, de homens sadios, de mulheres belas. Corpos de artistas, de políticos, de anônimos. Ricos e pobres, sábios e tolos.

Atrás dele, fez-se silêncio. De deserto e desolação.

Pela primeira vez então, tivemos medo.

Ele já não sorria tristemente. Apenas observava o caos, a correria aos mercados, as divisas das cidades fechadas, as portas lacradas, as aves de ferro no chão.

Moveu-se um pouco mais. Com um gesto de mão, minou o nosso bem mais precioso e nos deixou com ares desamparados, as mãos caídas ao longo do corpo. Logo vimos que seria capaz de ir mais longe. E o fez: levou os nossos amados, sem distinguir ninguém.

O que seria de nós, os senhores do mundo?

Nós, que mastigamos a carne dos outros animais; que colecionamos troféus empalhados; que rimos do baque surdo que as árvores faziam ao cair, que desdenhamos vezes seguidas os sinais de alerta.

Sob o potente microscópico, ele ergueu a cabeça e nos perguntou: de que serve agora esse imenso orgulho? Onde estão os poderosos que governam bilhões? Inúteis, caídos. Eu pus o dedo na engrenagem do mundo e o parei.

Paralisei o seu império. Seu tão frágil reino.

Agora ele se posta no alto das torres a espiar. A mensagem foi entregue. Ele se pode dar ao luxo de visitar os museus vazios, apreciar as obras-primas mergulhadas em escuridão, beber os vinhos esquecidos nas taças.

Enquanto percorre as alamedas do mundo, imersas em profundo silêncio, espia os pássaros a piar nas praças desertas, o céu claro. Vê a trégua que se fez nos mares, percorre os monumentos em quietude, contempla a mudez das ruas.

Os predadores estão ocupados demais. Ele sabe que será vencido, que eles descobrirão uma forma de eliminá-lo. Ele não se importa. Conhece sua curta vida e antecipa a derrota certa.

Veio apenas trazer a mensagem. Breve e contudente.