No dia do aniversário de Fernando Pessoa é sempre primavera no hemisfério norte. Quase verão, por certo, com o sol abraçado a um vento frio que sopra as penas das aves e os cabelos dos homens. Já no hemisfério sul, o fim do outono faz cismar os espíritos. No planeta inteiro, a natureza se ajusta ao tom dos poemas do aniversariante.Se presidente da Terra eu fosse, baixaria decreto: o Dia do aniversário de Fernando Pessoa seria declarado feriado mundial.
Na gringa chamariam de Pessoa Day e os franceses comemorariam o jour debatendo o sentido da vida nos cafés e tabacarias.Nesse dia, todo mundo deveria acordar bem cedo para ver o sol nascer.
Se estivesse chovendo, a pessoa abriria um livro e o leria, ouvindo as gotas caírem mansamente. Se fosse dia de sol, ouviria o vento a passar nas árvores. Então, levantaria a cabeça, sorriria com os olhos e diria que, sim, valeu a pena ter vivido.
Na véspera do feriado se dormiria cedo. Haveria ceias e presentes, num Natal antecipado em que o menino Jesus apareceria, escorregado do céu e tornado menino de verdade. Ele dormiria dentro das almas e brincaria com os sonhos.Logo pela manhã se abriria o baú de anedotas sobre os que partiram, para que não fossem esquecidos. Ofélia e Teca dançariam na ponta dos pés, recolhendo as saias para não pisar na barra; e Sá Carneiro mostraria um poema recém-escrito.
Nas casas, seria dia de mesa posta com muitos lugares e as melhores louças, toalhas de renda, copos finos, doces e frutas. Todos estariam vivos de novo: pai, mãe, irmãos, velhos tios e tias, primos crescidos e pequeninos. O padrasto na flauta, a mãe ao piano, um sarau de família.
No dia de Fernando Pessoa haveria piqueniques no jardim e banhos no rio da aldeia, que – como todos sabem – é maior que o Tejo, o Ganges, o Nilo e o Amazonas.No dia de Pessoa, a gente conversaria com os velhos, ouviria suas histórias de saudade, riria de antigas piadas que escutamos tantas vezes. E seria feliz pedindo em casamento a filha da lavadeira.As meninas comeriam chocolates e se recolheria – com cuidado e reverência – o sal das lágrimas portuguesas que compuseram a vastidão do mar. Os rebanhos nas colinas pastariam calmos guardados por poetas de almas múltiplas: de pastor, de engenheiro, de médico e até de burocrata lisboeta.
Crianças e adultos respeitariam a umidade no corredor do fim da casa, recolhendo-lhe os segredos.
Nesse dia, ninguém venderia casas onde se foi feliz na infância. Nas tabuletas se reescreveria o rumo da vida. E ninguém seria semideus ou príncipe – apenas gente. Comum, simples, ridícula ou enxovalhada.
No dia do feriado de Fernando Pessoa todos os que sobreviveram a si mesmos teriam direito a ter um braço amigo sobre seus ombros. E sentir a quentura de outras mãos se entrelaçando às suas.
Nesse dia se falaria do ontem com uma tal vivacidade que atenderia aos sonhos de quem desejasse se encontrar ali outra vez, em viagem metafísica e carnal. Todos partilhariam o passado como pão de fome, mas também com lágrimas de felicidade pelo que se viveu.
No dia do aniversário de Fernando Pessoa, a língua portuguesa seria posta em um trono dourado e chamada de pátria. A mesma língua que tocou a língua de Camões, de Machado de Assis, de Bocage e de Gil Vicente, de Guimarães Rosa e de Lobo Antunes. E ele, Fernando, seu sacerdote, se inclinaria diante dela, satisfeito.
Tudo por causa dele, um poeta que muito amou. Entre a anarquia dos sentimentos, a efervescência das horas e o silêncio contido, muito amou.
*** Para Fernando Pessoa, nascido num dia 13 de junho.
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Lindo, Sonia!!
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