A dor por causa do meu filho me feria.

Mente desequilibrada, louca, desnuda, cabelo despenteado,

Eu andava de um lugar para outro.

Descansando em montes de lixo nas ruas,

Em cemitérios e em estradas,

Vaguei por três anos,

sempre com fome e com sede.

Então eu vi o Sugata* indo em direção a Mithila,

domador do indomado, inteiramente desperto, sem temer nada ou ninguém.

Deu-me de volta a minha mente sã, eu o amei e me aproximei.

Gentilmente, o Gautama me ensinou o dhamma***.

Eu escutei o que ele dizia,

E fui em frente, nas ruas, ainda sem-teto,

formando em mim o que o Mestre disse.

Conheci finalmente o estado de bem-aventurança

Todas as tristezas foram cortadas, deixadas para trás,

este é o seu fim.

Agora eu compreendo as coisas

Como a tristeza poderia começar de novo?

(Vasetthi)

Este poema, escrito há dois mil anos pela monja budista Vasetthi, reflete o longo caminho para se alcançar a paz interior. Em meio ao acidentado percurso da existência, há mil formas de sofrimento. Pequenos alfinetes e grandes agulhadas a perfurar o delicado tecido dos sentimentos. A mente torna-se um turbilhão de expectativas frustradas: oscila, chora, sofre demasiado quando a vida toma rumos inesperados. Perdemos coisas e pessoas pelo caminho; derramamos lágrimas pela incompreensão dos seres amados, amarga-se a solidão nas horas de dor. Como sobreviver a essa avalanche de sentimentos desencontrados que nos toma? Como acalmar o coração?

O sofrimento de Vasetthi pelo filho morto é semelhante, em essência, ao de todos os demais humanos atormentados pela dor moral. Vaga-se, desnudo e louco, sedento de paz e faminto de consolação, até que um dia se enxerga a solução perfeita: o autodomínio. Ele existe, é uma distante meta. Há um caminho para alcançá-la, e ele se perde no horizonte. Começa-se devagar a percorrê-lo. Mil passos, talvez? Milhões deles. Dá-se o primeiro passo, ainda trôpego, com a visão turva pelo choro recente. Aos poucos aprende-se a distinguir entre fantasia e realidade, a aceitar a impermanência de tudo, a compreender que não conhecemos o que vai no coração alheio e que nos relacionamos com imagens que nós mesmos criamos. Aprende-se a arte do desapego, do perdão, do amar a si mesmo.

É necessário persistir, ignorar o cansaço, aprender a andar sem medo, levantar a cabeça e erguer-se após as quedas. O caminho é individual e prazeroso. A solidão torna-se amiga. Aos poucos, forma em si a fortaleza e a serenidade. Dia chegará em que os lamentos ficarão para trás. E o mais belo é o fato de se alcançar esse estado trabalhando o mundo interior a cada dia, em grande gesto de amor por si mesmo, forjando um herói interno cujo prêmio ninguém mais precisa conhecer. Por isso, é muito tolo exigir perfeição de quem está no caminho da meditação. Esse alguém está em meio à busca. Um dia chegará a um estado de paz possível aos seres humanos. Não ria dele quando falhar, não ironize seus esforços. Ninguém neste mundo é perfeito. Todos estamos na estrada, em busca de algo que nos conforte quando os embates da vida nos esmagam.                         

Notas:

Poema de Vasetthi. Tradução para o inglês de Charles Hallisey; tradução para o português: Sonia Zaghetto. (In Poems of the First Buddhist Women. A Translation of the Therigatha. Pg 33. Poems with six verses.)

* Sugata é um dos epítetos de Sidartha Gautama, o Buda.

** Mithila é uma região da Índia.

*** A lei moral. Os princípios básicos da existência individual e cósmica. O que está em conformidade com o dever ético e a natureza.

Fotografia. Sonia Zaghetto: Buda. San Francisco, California.