Por que haverias tu de esquecer o amor?

É o que te pergunto enquanto, mergulhada no silêncio ameno da tarde, penso em ti após ler a tua mensagem.

Dizes que abres as tuas gavetas de alma e não gostas do que encontras. Talvez por isso eu perceba a tua tristeza.

Falas que tuas atitudes, palavras e ações mostram orgulho, autoritarismo, prepotência, intolerante juízo e, em alguns momentos, até uma certa maldade. Lamentas as mágoas, culpas, raivas e rancores que habitam as tuas memórias e me dizes sem rodeios que te sentes um monstro.

É nesse instante que te vejo como um céu no qual se apagaram todas as estrelas.

Eu me pergunto por que fazes tal coisa contigo. Por que te torturas dessa forma, sendo que todos nós carregamos sombras? Tu não és exceção. Tu és humana e tens ao alcance dos ouvidos a voz dúbia dos seres amados, ora plenas de doçuras, ora carregada de adagas. Não te enganes: podem ser juízes severos aqueles a quem amamos. Pais, filhos, irmãos, amigos – quem escapou de suas críticas? Suas palavras nos doem nos ouvidos mais que as dos desconhecidos, estendendo garras no peito. Por vezes podem ser fundamente cruéis, dolorosamente exigentes. Por vezes nos traem enquanto nos beijam o rosto, nos renegam, nos abandonam na hora de dor, nos caluniam. Na maioria das vezes, também eles não são monstros – apenas humanos que se equivocam e perdem os limites. Embora sofrido, faz parte da roda da vida esse tipo de experiência.

Quando teus queridos despejarem sobre ti as suas frustrações e mágoas, respira fundo e abre os braços ao aprendizado. Ouve com atenção, medita sobre o que escutas a fim de corrigires as tuas atitudes futuras. Mas separa o joio do trigo, analisa com racionalidade as acusações que te fazem e usa apenas as justas como matéria-prima do teu aprimoramento. Jamais permitas te maltratem a ponto de perderes a tua humanidade e veres um monstro no espelho.

Vive a tua vida hoje. Aprende com o teu passado e segue em paz, pois a morte não tarda e é preciso viver bem neste exato instante, quando as oportunidades se reconstroem.

Assim, não esqueças o amor. Esse amor simples e generoso que devemos a nós mesmos, pois caminhamos sozinhos (isso é fato), carregando as nossas almas cansadas.

Não esqueças o amor, é tudo o que te peço.

Acende novamente as estrelas.

P.S. Para este domingo, escolhi um dos mais famosos poemas de Olavo Bilac, Via Láctea; a pintura onírica do irlandês William Orpen e a interpretação sentida de Nina Simone para o clássico Don’t let me be misunderstood (tradução livre ao final, para os que não leem em inglês).

Via Láctea

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

(Olavo Bilac)

Pintura: The Window Seat, de William Orpen (1901)

Don’t let me be misunderstood

Baby, você me compreende agora

Se às vezes você vê que estou com raiva

Você não sabe que ninguém vivo pode ser sempre um anjo?

Quando tudo sai errado, você vê algo ruim

Bem, eu sou apenas uma alma cujas intenções são boas

Oh, Senhor, por favor não me deixe ser mal interpretada.

Você sabe que às vezes, baby, eu sou tão despreocupada

Com uma alegria que é difícil de esconder

Então, às vezes, parece novamente que tudo o que tenho são preocupações

E, assim, você está condenado a enxergar meu outro lado

Mas eu sou apenas uma alma cujas intenções são boas

Oh, Senhor, por favor não me deixe ser mal interpretada

Se eu aparentar estar no limite

Quero que você saiba

Que eu nunca tive a intenção de descontar em você

A vida tem seus problemas

Eu recebi mais que a minha parte

E esta é uma coisa que eu nunca tencionei fazer

Porque eu amo você.

Oh, baby

Eu sou apenas humana

Você não sabe que eu cometo erros, como todo mundo?

Às vezes eu me vejo sozinha me arrependendo

Alguma coisinha tola

Alguma coisinha tola que eu fiz

Eu sou apenas uma alma cujas intenções são boas

Oh Senhor, por favor não me deixe ser mal interpretada

Eu tento tanto…

Então não me deixe ser mal interpretada.