Pulvis et umbra sumus. (Somos poeira e sombra.) – Horácio – Odes.

Há agitações dentro de mim que a ninguém confesso. Algumas sombras particulares que convivem com um lado macio e calmo, que ama autocontrole, chá e tardes tranquilas.  Talvez por isso goste tanto de Hermann Hesse e seu lobo da estepe interno. Talvez por isso goste tanto de Jung recomendando aceitar que há loucura e falta de lógica habitando o nosso espírito. Eu sou o que sou, e me aceitar com minha incompletude é tarefa que me imponho.

Todos os escritores que admiro trazem em si algo de inquieto, de triste – uma dor que atua em segundo plano. Talvez seja o que impulsiona a criação mais densa. Talvez seja porque observam detidamente os seres humanos, anotando suas idas e vindas neste grande teatro, acompanhando com olhos agudos a dinâmica das relações, as paixões e desejos que nos movem a todos. Veem a lágrima que não chega a cair, o franzir da testa, o canto da boca contraído, o cinismo disfarçado. Escritores veem no escuro, como os gatos. E seu olho atravessa a barreira da carne até enxergar no território dos segredos.

Entretanto, aprendi a duras penas que é de bom tom por vigias e muros em torno dos sentimentos. As sombras alheias – assim como os abismos – são dadas a romper barreiras e tomar de assalto os descuidados que por longo tempo as observam.

A mim, bastam as minhas dores. Não carrego peso dos outros – mesmo que sejam muito amados. Cultivar sensibilidade, empatia, compaixão e amor não é o mesmo que vergar sob o peso do que não me pertence ou cabe.

Embora amar seja o meu verbo predileto, há outros que não abandono: observar, discernir, desapegar, perdoar. São ótimos para equilibrar as coisas quando entra em cena a emoção. Esta é traidora: enxerga amor e amizade onde só há interesse, minimiza ingratidão e maledicência. O discernimento lentamente abraça a realidade e põe abaixo as ilusões. Faz bem. É saudável.

O desapego coroa o processo. E assim se deixa partir os que não nos dão a parcela da reciprocidade. O perdão serve para libertar a si e ao outro. Expulsa a sombra invasora da honesta sala onde nasce o sol individual.

(Texto: Sonia Zaghetto. Ilustração: Imagem criada usando a Meta AI, a ferramenta de inteligência artificial da empresa Meta). Veja abaixo, outras ilustrações criadas pela mesma ferramenta para este texto.