Despeço-me de Francisco, o Papa, e também de Jorge Mario Bergoglio, o homem, com a reverência que se deve a alguém fiel à digna missão que abraçou.

Sou agnóstica; jamais indiferente.

Há homens cuja fé se torna visível não nos dogmas que professam, mas nos gestos que realizam. Francisco foi um desses.

Durante os dias suspensos da pandemia, quando tudo ao nosso redor tremia e se partia, ele representou a nossa angústia ao orar na Praça de São Pedro.

Sozinho, no coração vazio do Vaticano.

Chovia.

Uma chuva fria e constante a espelhar aqueles tempos.

E enquanto o mundo se retorcia, debatendo ou uivando de desespero, o papa compreendeu que liderar, por vezes, é apenas permanecer.

Em março de 2020, ele caminhou devagar sobre o mármore molhado e escorregadio da Praça São Pedro.

Uma figura frágil e ao mesmo tempo imensa, levando nas costas o peso do medo coletivo.

Foi uma das imagens mais simbólicas daquele ano de dores.

Nenhuma multidão, nenhum aparato.

Apenas ele, pequeno e firme, encarnando a solidão que nos amedrontava.

Ao longo de seu papado, não abriu mão de seus princípios, mas também não fechou as portas a quem pensava diferente. Criticado por muitos, respondeu com a serenidade de quem sabe que o amor vale mais do que a ortodoxia.

Francisco não temeu expor suas imperfeições.
Ao contrário: fez delas ponte com o mundo real.
Entendeu que a grandeza não está em parecer perfeito, mas em continuar servindo apesar das falhas.

Tomou (e honrou) o nome do pobrezinho de Assis.
Talvez eu tenha me comovido tanto – eu, que não comungo – porque nele vi a luz rarefeita da compaixão.
Nestes dias em que tantos falam em vencer, ele deu voz aos que ninguém escuta ou vê.
Vi sua ternura insuspeita, sua coragem vestida de simplicidade.

Entre os que julgam com severidade, ele perguntou: “Quem sou eu para julgar?” De todas as muitas frases inspiradas que disse, esta é a que permanecerá em minha memória.
Não por ser bela.
Mas porque é difícil.
Porque é cristã em sua essência e desafiadoramente humana em seu limite.
Porque é o que quase ninguém ousa viver.

Este gesto teológico, ético e político foi uma recusa ao tribunal moral em que se transformou o discurso público. Raro. Valoroso.

Sua mensagem final, discreta e humilde, reafirma a sua coerência.

Retirou-se sem pompa, recolhido ao colo daquela a quem mais amou.

Até o fim leal à sua fé e à sua humanidade.