Todo mundo que me conhece, sabe: adoro o Brasil.

Em meio à nossa loucura cotidiana, de violência, corrupção, jeitinho e estupidez, sempre encontro meios de enxergar pequenas belezas, fragmentos de doçura, recortes de alegria.

Recolho diariamente meus retalhos de esperança. Trabalho nisso como quem coleta conchas na praia. Guardo-os, cerimoniosamente, na arca secreta do meu amor e os costuro no tecido da memória. Sigo, então, com uma colcha colorida onde ponho a cabeça antes de dormir.

Durante muito tempo eu quis sair do Brasil. Cheguei a querer imitar a azeda Carlota Joaquina a bater a terra dos sapatos. Andava indignada com a indecência generalizada que tomou o país, com a insegurança que nos faz viver trancados em casas cercadas de grades e muros, com a desfaçatez com que se dribla a honestidade. Mais ainda com gente que idolatra políticos desonestos ou toscos e perde o senso, a vergonha e os limites no afã de defendê-los e às suas insanidades. Um pouco mais com essa mania que temos de colonizar a alma alheia, não admitir contraditório, passar paninho em coisas indefensáveis e dar lição acerca de temas sobre os quais pouco sabemos. Cansativo.

Saí, então. E descobri que Villa-Lobos, Elis, Rosa, o bruxo Machado, Cecília Meireles e seus amigos põem feitiços na gente. Mal nos damos conta, mas ele está lá, esse vodu que nos liga à nossa terra. Vem escondido em textos, poemas e canções, mas também está no sabor intenso dessas frutas douradas pelo sol, na paisagem embasbacante, no jeito amoroso com que nos abraçamos, na maneira despojada com que nos tornamos amigos instantaneamente, em fila de cinema, mesa de bar, quiosque de praia, mídias sociais.

Viver longe do Brasil é ser hóspede em casa de parente rico. Você mal encosta nas coisas, morto de medo de quebrar os copos de cristal, as xícaras de fina porcelana. Sei andar confortável na casa dos outros, mas só quando a visita é breve. Morar é outra história. Depois de três dias, visita fede – ensinava a minha avó.

O sotaque, o andar, o vestir, tudo denuncia que você é estrangeiro, imigrante, expatriado. “Volta pro México!”. Não, señor, mexicana é a Salma Hayek, muito mais rica e bonita do que eu. Volte três casas e tente outra vez. Suspiros.

Bela piscina, condomínio impecável, flores, ruas limpinhas. Espio corvos, gaivotas, cachorros que latem em inglês, francês, norueguês, árabe e chinês. Só não sei os nomes dos vizinhos.

Nossa, como tem morador de rua em São Paulo! Mas também em Montreal, San Jose, Denver, Nova York, Paris e Londres. Ei, a janela traseira do carro foi quebrada enquanto a gente estava no Science Museum! Será que o seguro cobre? No posto de gasolina o americano lamenta, apontando para o vidro quebrado: “Isso está cada vez mais frequente, não é? Eles quebram para pegar as coisas que estão no porta-malas. Notei porque baixaram o banco de trás”. Balanço a cabeça e sorrio sem graça a lembrar que o condomínio enviou alerta sobre várias tentativas de arrombamento.

Contemplo em silêncio as barracas de camping nas ruas da California. Nelas vivem bêbados, drogados, velhos, doentes mentais. Maltrapilhos, fedorentos, empurram carrinhos de supermercado com mil tralhas e, invariavelmente, trazem amarrados a si uns cachorros tão maltratados e sujos quanto os seus donos. Falam sozinhos, riem alto, despejam-se nas calçadas, exibindo feridas, peitos nus, cabelos que parecem ninhos de aves. Cracolândia do hemisfério norte.

E, de repente, lá está ela, a palavra luso-brasileira que faz o coração dar um pulo. Homesick é o nome gringo. Nossa boa e velha saudade de casa. É assim que a gente se dá conta de que deseja mesmo é uma boa pamonha doce, com caneca de café preto numa daquelas vendinhas de beira de estrada lá pelos perdidos das Minas Gerais ou de Goiás.

Ou sente falta de nadar em águas mornas, transparentes, cercadas de um verde luxuoso. Sai-se da água com fome de lobo-guará. Vontade de comer peixe frito e arrematar com tapioca baiana, encharcada de coco e leite condensado.

Isso quando não surge uma vontade irresistível de dar carteirada: na minha terra tem floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal, saiba. Aqui vocês trazem nossos pirarucus para nadar em redomas, nossos sapinhos de cor escandalosa (todos mortíferos!) para gerar medicamentos que serão vendidos para nós a preços insanos. Ora, ora, me compre um bode! (morro de vontade de dizer isso em outra língua).

Sei que na volta, em qualquer balcão do aeroporto, posso engatar uma conversa animada com a atendente, uns vizinhos de mesa ou o garçom. E sair de lá com um novo amigo de infância, que saberá metade da minha vida e me pedirá opinião sobre decisões fundamentais. No Uber, a caminho de casa, vou abrir o Facebook e ler piadas, besteiras, arrogâncias e alguns bons textos. Vão me fazer aplaudir, gargalhar, sacudir a cabeça com desgosto e ter vontade de atirar o celular pela janela.

Brasil, irritante, lindo, sonso, filhote de Macunaíma, amigo com chapéu de malandro e sapato bicolor, um dia volto para você. Vê se me espera.

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Ilustração da artista brasileira Sandra Freitas.