É bastante significativa a avassaladora reação à notícia de que Jair Bolsonaro testou positivo para a Covid-19.

O ódio cultivado, as ofensas seguidas, a ausência de solidariedade aos infectados, a indiferença a mais de 66 mil brasileiros mortos e seus familiares chorosos, tudo isso cobra agora o seu preço.

Esse conjunto fermentou um desejo secreto de vingança e punição nas almas atingidas. É natural e compreensível a reação – absolutamente previsível no ser humano. Rende um tratado sobre os sedentos de algum tipo de justiça.

Não é a minha escolha a atitude vingativa, mas não julgo quem a adota. Nem me cabe isso. Apenas observo e tiro lições para mim, para a minha vivência e relações pessoais.

Pessoalmente, não me permito imitar as atitudes de desprezo à vida de que deu mostras seguidamente o presidente. Também não desejo igualar-me a ele reagindo com ironia à dor alheia. Da mesma forma, sentir-me-ia profundamente envergonhada de repetir as frases que ele e seus filhos endereçaram aos inimigos doentes (no câncer de Dilma ou quando a deputada Joice Hasselman anunciou que havia contraído a covid-19). É questão de autopreservação e de exemplo aos meus filhos.

Não misturo as estações. A todos os governos brasileiros – anteriores e atual – enderecei críticas duras sobre o que acredito serem graves erros administrativos e éticos, atitudes lamentáveis, insuflamentos irresponsáveis ao nós-contra-eles, fuga à responsabilidade, ausência de decoro no trato com a coisa pública. Entretanto, jamais comemorei doenças ou perda de seus parentes, nunca desejei-lhes a morte precoce e o sofrimento atroz. Agora não será diferente.

Não me sinto inclinada a ter piedade de Bolsonaro, admito. Mas jamais lhe desejaria a morte. Não se trata de algum tipo de “evolução espiritual”. É apenas um treinamento, que se faz ao longo da vida. Talvez eu sinta um medo enorme de perder a dignidade e o respeito por mim mesma. Talvez eu tenha algum receio de, no futuro, ver se voltar contra mim a crueldade que destinei aos outros e – a exemplo de Carlos Bolsonaro no dia de hoje – exigir que tenham por mim e os meus a compaixão que não senti pelos demais homens.

Para isso, faço um esforço consciente para não comemorar o sofrimento alheio. É preciso pôr a razão para domar o instinto que grita de prazer diante de uma desforra. Esse sentimento de regozijo no final do filme, quando um personagem teimoso é punido, fala de instintos muito básicos – nem sempre nobres.

Prefiro domá-los, em vez de arriscar que me dominem. Porque, acredito firmemente, o lobo interno só precisa de um naco de carne para tomar gosto pelo sangue alheio. Depois disso, há o risco de despencar ladeira abaixo. Não brinco de roleta russa com o meu espírito.

Hábito começa como teia de aranha e quando a gente vê já virou cabo de aço. Aí estão as redes sociais e seus viciados em ódio para comprovar a tese.

📷Juan de Flandes. Herodias’ Revenge