Todas as vezes que o carro toma o caminho de Redwoods penso em cometer uma loucura: parar diante da casa de Joan Baez em Woodside e tocar a campainha.

Fica a trinta minutos da minha cidade. Ela está a um passo, a lenda de voz espetacular, violão inspirado e uma vida de luta por direitos civis, não-violência, direitos humanos e defesa do meio ambiente. É uma tentação à qual resisto com dificuldade.

Baez era uma estrela global quando apadrinhou Bob Dylan após seu primeiro encontro em 1961. Foi uma paixão fulminante. Ela o convidou para compartilhar palco e turnê com ela, gravou as canções dele e em muitas ocasiões repreendeu os fãs, que detestavam o tom anasalado de Dylan.

A paixão durou poucos anos, mas teve considerável peso para os fãs e impulsionou a carreira de Dylan. Apelidados de rei e rainha do folk (o que desagradava Dylan, ansioso para migrar para o rock), eles se tornaram uma presença dominante no cenário político e musical, compartilhando microfones em palcos e manifestações.

O fim ocorreu na primavera de 1965, durante uma turnê britânica em que ele a desprezou publicamente, recusando-se a permitir que ela subisse ao palco com ele.

Joan nunca falou sobre o assunto, filmado e exposto no documentário “Don’t Look Back”. A resposta dela veio na canção pungente e plena de referências à vida que partilharam, a espetacular “Diamonds and rust” (Diamantes e Ferrugem). É a sua melhor canção e – a julgar pelo que ela diz na letra – uma poderosa resposta ao homem que desdenhou de sua poesia.

Gosto de pensar em Bob Dylan, numa cabine telefônica no meio-oeste, recusando-se a se reconhecer nostálgico enquanto ela provoca: “Então me dê outra palavra para isso. Você, que é tão bom com as palavras e em manter as coisas vagas”. Na canção estão todos os elementos que compõem o amor de uma mulher que sabe descrever um amante com as letras ditadas por desejo e dor: cor dos olhos, presentes e humilhações.

“Se você está me oferecendo diamantes e ferrugem, eu já paguei”.

Ela sempre foi discreta sobre o relacionamento deles. Em público se referia a Dylan apenas como seu “amigo especial”. Ele também evitou a exposição e mal a mencionou em sua autobiografia e no documentário dirigido por Martin Scorsese, No Direction Home. Há uma enorme quantidade de canções de Dylan que se acredita ser sobre Joan, em particular “Visions of Johanna”, uma canção que transpira desejos ardentes e sufocados, escrita após a separação do casal.

As coisas mudaram quando surgiu “How Sweet the Sound”, documentário sobre Joan dirigido por Mary Wharton. Nele, o normalmente reticente Dylan se refere a ela como “Joanie” e elogia seu talento e compromisso com as causas sociais. Por sua vez, ela admite, com visível desconforto, a intensidade do amor que sentia por ele.

Recentemente, pela primeira vez após tantas décadas, Dylan pediu desculpas por seu comportamento infame na turnê britânica. Disse que fez isso para evitar que Baez “se envolvesse na loucura” em que se converteu sua carreira, e completou: “Eu me sinto muito mal por aquilo. Lamentei ver o nosso relacionamento terminar”.

Há outras versões. Uma delas é que Bob Dylan já não queria participar tão intensamente das muitas causas sociais que eram essenciais para Joan – a moça que marchou de braços dados com Martin Luther King Jr. e foi para a prisão por seus protestos pacifistas contra a guerra do Vietnã. Outra hipótese seria a aversão de Joan ao uso de drogas.

Joan Baez seguiu vida afora fiel aos seus ideais. Foi a primeira grande estrela a se apresentar em Sarajevo após o início da guerra em 1992. Em abril de 1993, ela viajou para a cidade devastada pela guerra, em um esforço para chamar mais atenção para o sofrimento da população civil. Seu emocionado abraço num violoncelista desolado, que tocava na rua, é uma das mais poderosas imagens daquele ano.

Atualmente, na sala dela, há uma pintura de Bob Dylan, de rosto sombrio. Em outra parede está um retrato de outro ex-namorado da cantora: Steve Jobs. Discordavam em quase tudo, mas ela diz que ele era doce (um adjetivo que não se usa para descrever Jobs). Quinze anos mais jovem que Joan, Steve manteve-se amigo dela após a separação. Poucas semanas depois da morte dele, um Iphone5 foi entregue na casa de Joan. As más línguas diziam que Steve Jobs se apaixonou por ela porque idolatrava Bob Dylan e queria um ponto de ligação com o compositor. Ela reagiu com bom humor e autoconfiança à pergunta sobre a razão do interesse afetivo do fundador da Apple: “Eu era a razão. Eu sou muito atraente, sabe?”.

O espectro de Bob Dylan ainda paira em torno de Baez. E já que esse fantasma não vai embora, melhor evocar o que o cantor disse recentemente sobre Joan: “A voz dela é como a de uma sereia de alguma ilha grega. Aquele som pode colocá-lo sob um encantamento. Ela é uma feiticeira”.

Acho que vou tocar a campainha de uma certa casa em Woodside.

Assista aqui Joan Baez cantando “Diamonds and Rust”

Joan cantando “The House of Rising Sun”