Hoje os jornais noticiam que o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, se reuniu com integrantes da cúpula do governo para discutir as medidas sugeridas ontem, por 230 entidades, para reduzir o desmatamento na Amazônia. O documento – apresentado por representantes do agronegócio, de Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas, do setor financeiro, da sociedade civil e da academia – listou seis ações para frear, de forma rápida, a retirada da vegetação na maior floresta tropical do planeta. O foco no desmatamento se deve ao fato de que é o desflorestamento que impulsiona os incêndios na Amazônia (leia aqui a reportagem completa, com as medidas).

Nos últimos tempos, as Organizações Não Governamentais (ONGs) ganharam o status de vilão na imaginação de uma parcela significativa da população brasileira. Por outro lado, o agronegócio também é visto como vilão, por outra parcela da população. O assunto é mais complexo do que sonha o maniqueísmo das redes sociais e as mensagens tendenciosas que circulam no WhatsApp. Para início de conversa, não deveríamos nos dar ares de autoridade sobre o que desconhecemos. Em segundo lugar, é necessário poderar que em todos os setores da ação humana há bons e maus profissionais e caracteres. ONGS e produtores não devem ser vistos, em seu conjunto, como santos ou demônios. Há de se fazer a diferença, analisando-os com cuidado e individualmente, e buscando a informação correta.

A hora recomenda focar no que nos fortalece como Nação: a colaboração. É o que propõe o documento ontem entregue ao vice-presidente da República. É o esforço que todos deveríamos fazer neste instante. Da forma como está, todos perdemos.

Contra a ignorância, somente o conhecimento. Por isso, abaixo você encontrará uma série de textos e links para começar a entender o assunto. .

  1. Oito perguntas e respostas sobre ONGs: o que são, de onde vêm os recursos que usam, o que fazem, quantas existem no Brasil? Há 100 mil ONGs ambientalistas na Amazônia?
  2. Reportagens (todas abertas para leitura) sobre os incêndios florestais e a situação do meio ambiente no país.
  3. Links para páginas ambientalistas, governamentais e do agronegócio.
  4. Texto bônus de Marcelo Merlo sobre o assunto da semana: Aumento no preço de alimentos e quarentena: o agro é o vilão?

Oito perguntas sobre ONGs

Comecemos pelo básico: o Estado é o chamado primeiro setor de atividade. O mercado (empresas com fins lucrativos) constitui o segundo setor. As chamadas ONGs são o terceiro setor. É bom explicar, antecipadamente que ONG (Organização não Governamental) não existe formalmente no ordenamento jurídico brasileiro. A sigla é usada de maneira genérica para identificar organizações sem fins lucrativos que cumprem um papel de interesse público, como associações, cooperativas, fundações, institutos etc. O nome ONG, portanto, é uma espécie de apelido carinhoso. Oficialmente, IBGE e IPEA adotam outros termos para designá-las, como “organizações da sociedade civil”.

1. O que são as chamadas “ONGs”?

São associações civis, sem fins lucrativos, de direito privado e de interesse público. Embora não façam parte do Poder Público, executam atividades que competem a este. Realizam diversos tipos de ações sociais, solidárias, assistenciais ou humanitárias para públicos específicos. Podem atuar nas áreas da saúde, educação, assistência social, economia, meio ambiente etc. Em verdade, a OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) é o mais próximo do que se entende por ONG. A maior parte delas usa recursos próprios, segundo o IPEA, mas podem captar recursos públicos e privados. São submetidas a exigências legais de prestação de contas referentes a todo o dinheiro público recebido.

2. Epa. Quer dizer que o estado pode mesmo financiar o terceiro setor? Isso é necessário?

Sim. Embora a maior parte das organizações do terceiro setor use recursos próprios, elas podem receber financiamento público e privado. Uma OSCIP, por exemplo, pode captar recursos via parcerias e convênios com todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal) ou receber doações de empresas com dedução no imposto de renda. Não esqueça que muitas organizações do terceiro setor surgiram justamente para suprir a ausência do Estado em alguns locais. Os projetos desenvolvidos por elas demonstram o comprometimento da sociedade com o bem-estar coletivo.

3. E quanto de recursos públicos federais as ONGs receberam?

Entre 2010 e 2018, diz o IPEA, apenas 2,7% das Organizações da Sociedade Civil receberam recursos federais. Um total de R$ 118,5 bilhões em oito anos, destinados majoritariamente para a área da saúde (39%), educação (14%) e ciência e tecnologia (10,5%). Deste total, apenas 5% foram destinados à Amazônia.

4. Quantas ONGs existem no Brasil?

Depende de quem mede e do que considera como critério de pesquisa. Segundo o IBGE, há 236,9 mil organizações no País. Já o IPEA, que inclui mais categorias, estima que em 2017 havia 820 mil organizações da sociedade civil.Desse total, 709 mil (86%) eram associações civis sem fins lucrativos, 99 mil (12%) organizações religiosas e 12 mil (2%) fundações privadas.

5. Todas as ONGs são ambientalistas?

Não. O IBGE classifica as ONGs em dez diferentes áreas de atividade. No Nordeste do Brasil, por exemplo, a maioria são entidades religiosas (26,81%) e as ligadas ao desenvolvimento e defesa de direitos (25,9%). Associações patronais, profissionais e de produtores rurais (18,95%) vêm a seguir.

6. Como se distribuem as ONGs pelo Brasil?

Segundo o IPEA, estão distribuídas da seguinte forma: a região Sudeste tem 40% das organizações, seguida pelo Nordeste (25%), Sul (19%), Centro-Oeste (8%) e, por último, o Norte (8%).

7. Existem 100 mil ONGs ambientalistas na Amazônia?

Segundo o IBGE na pesquisa “As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil – 2016”, há 517 ONGs que atuam nas áreas de meio ambiente, defesa de direitos de grupos e minorias e em outras formas de desenvolvimento na Amazônia Legal – que não se limita à região Norte e é integrada pelos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. O IBGE informa que de um total de 15,9 mil “ONGs” que atuam na Amazônia Legal a maior parte é formada por fundações e entidades religiosas (35,94%). Em seguida vêm as associações patronais, profissionais e de produtores rurais (18,95%). Em todo o Brasil, há somente 6,7 mil organizações que atuam no segmento ambiental e defesa de minorias. Destas, apenas 3,25% estão localizadas na Amazônia.

8. AS ONGs só consomem recursos?

Não, além dos serviços que prestam, as 820 mil organizações da sociedade civil empregam 3 milhões de pessoas, segundo o IPEA. Geram, portanto, empregos e renda. Aviso final (sempre de bom tom): como em toda atividade humana, há problemas em relação às ONGs. O problema maior, entretanto, é a generalização, que mistura joio e trigo. Faça um favor a si mesmo: verifique antes de espalhar boatos ou acusações não checadas. Há muita gente honesta trabalhando no terceiro setor.

Reportagens

  1. Agronegócio e ONGs ambientais apresentam ações para reduzir o desmatamento na Amazônia Legal. Leia.
  2. Desmatamento e queimadas: entenda como os dados do Inpe podem indicar alta e queda nos percentuais. Leia.
  3. Em carta a Mourão, países europeus dizem que desmatamento dificulta compras de produtos do Brasil. Leia.
  4. Salles relaciona falta de ‘fogo frio’ ao aumento das queimadas no Pantanal; especialistas rebatem argumento. Há relação entre desmatamento e seca. Leia.
  5. Governo planeja levar embaixadores à Amazônia em outubro, diz Mourão. Leia.
  6. Em 15 dias, queimadas na Amazônia já superam todo mês de setembro de 2019. Leia.
  7. Lago de jacaré e gasolina a R$ 10: os bastidores da reportagem do Estadão que revelou o Pantanal em chamas. Leia.
  8. Incêndios florestais em SP mais do que dobram em 2020; animais fogem do fogo, invadem áreas urbanas e nº de resgates aumenta. Leia.
  9. Cinco fazendeiros são investigados pela PF por destruição de 25 mil hectares do Pantanal de MS. Leia.
  10. Por que o Pantanal está queimando? Leia.
  11. Fogo consumiu mais de 10% do Pantanal. Leia.
  12. Queimadas deixam marcas profundas na Amazônia. Leia.

Links para páginas do setor ambiental, agronegócio e governamental

IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária

Instituto Sócio Ambiental

INPE

ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos

Ministério da Agricultura

Embrapa

Imazon

Mapa das Organizações da Sociedade Civil/IPEA

As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil/ Estudo do IBGE

Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos – 2010, 2013 e 2016/ IBGE

Página de doações para minimizar o efeito das queimadas no Pantanal

Artigo bônus: Aumento no preço de alimentos e quarentena: o agro é o vilão?

Marcelo Merlo*

Todos se assustaram com o aumento no preço dos principais itens da cesta básica: carne, arroz, feijão tiveram reajustes agudos, que fizeram o governo federal se movimentar e o presidente pedir aos empresários do setor “que o lucro desses produtos essenciais nos mercados seja próximo de zero”.

Em outro momento, o presidente lembrou que há pessoas passando fome. O perigo de frases como esta é carregar de forma implícita a ideia de que os comerciantes (e a cadeia produtiva do agronegócio) estariam se aproveitando da situação para lucrar ainda mais e colocar a opinião pública contra o setor da economia que evitou um cenário ainda pior para o país.

Isso nos conduz à pergunta: será verdade que a cadeia do agronegócio está se aproveitando da situação? Os dados do setor indicam algo bem diferente. A China adquiriu, somente no primeiro semestre deste ano, quase 80% de tudo o que comprou em produtos agrícolas brasileiros em 2019, em um claro movimento de reposição de estoques e antecipação de uma possível corrida mundial por alimentos.

O custo de produção agrícola vem acumulando altas seguidas, com insumos em dólar; o frete segue tendência de alta desde março, o governo não tem uma política agrícola clara para diversos produtos, como o arroz. Pegando este item, que tem grande peso no índice de inflação, as exportações praticamente dobraram, aproveitando a cotação em alta no mercado externo, repondo em parte as perdas acumuladas nos últimos 5 anos.

Agora, o governo fala em zerar as taxas de importação do produto, o que tornaria esse cenário ainda pior. Por um lado se tem uma aceleração da demanda mundial por commodities, fato que se reflete nos preços em máximas históricas de praticamente todos os produtos, mas com aumento constante nos custos dos insumos para a produção agrícola. Este é o cenário real do setor, que já vinha com margens apertadas, muitos com perdas acumuladas por anos (os produtores de arroz são um exemplo), repondo uma parte delas, com ganhos pontuais que serão usados para sustentar o crescimento projetado na demanda por alimentos pelos próximos dez anos.

Por outro lado, há uma inflação industrial em 2 dígitos no acumulado dos doze meses, o Governo se beneficiando das exportações pela balança comercial e também com ganhos políticos, o aumento nos gastos públicos e a política de juros baixos (Selic) que podem adicionar peso à inflação inercial e a possibilidade do país entrar em um ciclo inflacionário onde avaliações são, neste momento, apenas palpites.

Um terceiro fator, importante nesta conta sobre o aumento nos preços dos alimentos, é que o principal item de gasto no auxílio emergencial é referente à alimentação. Com a prorrogação até dezembro – mesmo em valores menores, teremos nesta frente uma pressão continuada.

Políticos gostam de simplificar ao máximo fatos que são, na maioria das vezes, complexos. Se conseguirem transformar em um slogan, melhor ainda. Neste caso, como desde sempre na agricultura, se o Governo não atrapalhar já será uma grande ajuda.

  • Marcelo Merlo é Diretor da Legítima Comunicação Integrada

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Imagem principal: Foto: Apuí, no Amazonas. Ueslei Marcelino/Reuters.