Há 20 anos, morreu George Harrison.
Dos quatro Beatles, o guitarrista teve a trajetória mais espetacular. Vindo de uma família muito pobre, aos 17 anos tornou-se uma das maiores celebridades do planeta. Entrou no túnel de delícias do mundo material com sua carteirinha de milionário aos 20 anos e emergiu do outro lado como um homem que resumia seu propósito na vida a uma busca incansável para responder a três perguntas: quem sou eu, por que estou no mundo e para onde vou.
É dele o melhor álbum independente de um ex-Beatle. All Things Must Pass é uma obra-prima, em que funde letras filosóficas com música sofisticada. Transcendental é a palavra adequada para definir um trabalho que tem joias como Isn’t It a Pity e Beware of Darkness.
Com o fim dos Beatles, finalmente George pôde gravar as próprias músicas. Tinha na gaveta tantas canções rejeitadas por Paul McCartney e John Lennon que pôde fazer um álbum triplo, louvado pela crítica e imediatamente alçado pelo público à categoria de lendário. Grande parte dessas canções refinadas havia sido alvo de zombaria ou desprezo e substituída por peças de qualidade bastante inferior.
Durante toda a sua jornada, George apostou na sobriedade, no cultivo do espírito, no desapego e nas ações humanitárias. Sobreviveu a uma tentativa de assassinato, ao fim de um casamento e aos desregramentos que a fama lhe trouxe. Aos poucos, suas canções se tornaram celebrações da vida e dos valores mais altos.
Os gestos de solidariedade sempre foram abundantes. Do financiamento de filmes do grupo Monty Python aos concertos beneficientes para socorrer a população de Bangladesh, abatida por fome, inundações, genocídio e doenças. Harrison foi o primeiro a organizar um mega show a fim de arrecadar dinheiro para caridade. Realizado em agosto de 1971, no Madison Square Garden, em Nova York, o Concerto para Bangladesh rendeu um álbum e um documentário que destinaram ao país asiático mais de US$12 milhões, via UNICEF.
O chamado Beatle quieto era, em verdade, um inconformado que se desafiava constantemente e tinha, além do talento excepcional como instrumentista e compositor, um humor ácido que só os anos de meditação domaram. Na época dos Beatles, compôs canções irônicas (Piggies, I, me, mine), delicadezas de amor (Something) e hinos como a grandiosa While my Guitar gently weeps e Here comes the sun. Abriu-se à cultura indiana e apresentou ao ocidente um dos maiores citaristas clássicos, Ravi Shankar. O álbum que os dois gravaram, Chants of India, traz cantos sagrados em sânscrito e é uma das preciosidades da carreira de Harrison.
No documentário “Get Back”, de Peter Jackson, vê-se George deixando os Beatles em janeiro de 1969, aborrecido com postura arrogante de McCartney e o descaso de John Lennon. No mesmo dia ele escreveu a música Wah-wah“, na qual traduz sua frustração: “Você fez de mim uma estrela tão grande, mas não me vê chorar, não me ouve suspirando”.
Numa de suas últimas entrevistas, comentou a rapidez com que a vida passou: “Não levou muito tempo entre os 17 e os 57 anos”.
Ringo Starr e Paul McCartney foram vê-lo pouco antes de morrer. Emocionados, os dois lembraram a bravura, o bom humor e a serenidade com que o amigo lidou com o diagnóstico de câncer no cérebro e no pulmão. Ringo chorou ao narrar a despedida: “Eu estava saindo para Boston porque minha filha tinha um tumor no cérebro. E disse: Bem, você sabe, eu tenho que ir e as últimas palavras que o ouvi dizer foram: Você quer que eu vá com você? Esse era o lado incrível de George”.
A brincadeira inocente foi sua derradeira mensagem de força e alegria ao amigo. Digno de quem escreveu Art of dying.
O testamento musical foi o álbum póstumo Brainwashed. Nele, a voz frágil sussurra os versos de Raising Sun: “No sol que nasce você pode sentir sua vida começando, o universo brincando no seu DNA. Você tem um bilhão de anos”.
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Para ilustrar este texto escolhi uma foto de George Harrison aos 25 anos, na última apresentação pública dos Beatles. É como ele aparece em “Get Back”, abraçado à sua fender telecaster, despenteado, vestindo casaco estiloso e pantalonas verdes. Não havia ninguém mais charmoso naquele telhado.(Crédito da foto: Apple Corps)
Clique para ler um texto de Sonia Zaghetto inspirado em George Harrison e que consta do livro Crônicas do Vento de Abril
Assista aqui a um documentário sobre George Harrison (em inglês)
Assista aqui ao vídeo dos preparativos para o Concert for George, que homenageou George Harrison um ano após a morte do músico. Organizado por Eric Clapton, o concerto foi divido em duas partes: oriental e ocidental. A filha de Ravi Shankar, a citarista Anoushka, conduziu a orquestra de músicos indianos. Os amigos de George – incluindo Paul McCartney e Ringo Starr – fizeram uma apresentação memorável.
Sete canções de George Harrison
While my Guitar Gently Weeps (Com Eric Clapton, Jeff Lyne, Phil Collins, Ringo Starr, Ray Cooper, Mark King, Elton John e Jool Holland)
My Sweet Lord
Isn’t it a Pity
Give me love (Give me peace on Earth)
Beware of Darkness
That’s all
Who can see it
While my Guitar Gently Weeps (bônus – Vídeo da versão animada na página dos Beatles no YouTube)
Sonia, obrigada por nós lembrar de George. Segunda-feira começou.
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Obrigada por compartilhar essa matéria maravilhosa sobre George,All we need is love❤
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Maravilhoso tributo a George Harrison! Quanta coisa eu ignorava e, graças a você, Sonia Zagheto, curvo-me à grande figura desse Beatle. Fascinante. Obrigada, querida!
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Simplesmente Cósmico!
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Simplesmente Cósmico!
Transcende a imaginação!
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