“Um russo facilmente sente medo e afeição. Mas é difícil ganhar seu respeito. Este não é dado de imediato, nem a todo mundo”. 

Ivan Turgueniev.

Texto e foto principal: Sonia Zaghetto

Paradoxal é palavra exata para definir a vida e a obra do romancista, poeta, autor de contos e novelas, tradutor e dramaturgo Ivan Turgueniev, dono de um dos textos mais fascinantes do século XIX.

O homem que irritou Dostoiévski e outros contemporâneos por manter privadas as suas opiniões políticas é o autor de  livros que ditaram comportamentos, alteraram a estrutura da sociedade russa e despertaram paixões políticas. Logo ele, cuja personalidade era toda amabilidade e ponderação. Um coração amante e raro, que fazia da arte um refúgio.

Suas obras jamais foram recebidas com indiferença. Equilibravam-se na torrente extremada das emoções: rasgados elogios ou pesadas críticas. Na família, era considerado “o mais russo” dos filhos, em contraposição ao irmão Nicolai, apontado como o perfeito cavalheiro inglês. Em contrapartida, nos círculos culturais russos era criticado por ser “europeu demais”.

Sua matéria de trabalho sempre foi a alma humana. Nua, exposta em comovente fragilidade. Primeiro escritor russo a fazer sucesso no Ocidente, apresentou à Europa burguesa a sua Rússia – um país feudal e inculto, que poucos compreendiam, mas pleno de delicadezas, diminutivos e pequenos gestos de amor prontos a surgir inesperadamente.

Escorado pelas experiências autobiográficas, transitou com segurança entre mundos que se contrapunham, revelando grandezas e bagatelas tão únicas e, simultaneamente, tão universais. Turgueniev foi o aristocrata capaz de ler com precisão a alma camponesa e servil, por vezes embrutecida, mas resiliente e docilmente curvada à autoridade que a esmagava.

Não hesito em concordar com Frank O’Connor, que considera Memórias de um Caçador a melhor coletânea de contos já escrita. À impressionante beleza de sua narrativa alia-se a ímpar descrição da natureza e a habilidade de fazer o leitor mergulhar nas histórias dos personagens, sem que o autor faça qualquer julgamento. Turgueniev é um observador minucioso, que com aparente simplicidade retira a venda dos olhos do leitor e o conduz pela mão até paisagens e personagens que se impregnam na alma.

Para Turgueniev, a qualidade mais importante em um artista russo era a veracidade ao retratar a vida. Tal sinceridade se sobrepunha a enredo, subjetividade e mesmo a busca pela beleza. “A arte russa procura, através da verdade, alcançar a beleza”, era uma das frases favoritas do escritor.

Assim, as Memórias têm por base as observações de Turgueniev enquanto caçava na propriedade de sua família em Spasskoye-Lutovinovo. Ali, passou a vida a testemunhar o abusivo comportamento dos senhores de terras – inclusive de  sua própria mãe – sobre os mujiques (camponeses) e as injustiças do sistema que os constrangia. Um proprietário rural na Rússia do século XIX herdava ou adquiria suas terras nelas incluindo as “almas”, isto é, os mujiques. Estes recebiam castigos físicos e humilhações, e tinham a vida determinada pela vontade soberana dos senhores, a quem chamavam de paizinhos.

Atribui-se a Memórias de um Caçador forte influência sobre a decisão do czar Alexandre II de emancipar os servos na Rússia, nove anos após a publicação dos contos e dez anos após o próprio Turgueniev haver libertado todos os servos de sua propriedade. O livro é, de fato, soberbo e perturbador. Difícil escolher qual a mais magnífica entre as 25 histórias nas quais se incluem obras-primas como O Prado de Bezhin, Kasian da Bela Terra, Relíquia Viva, Yermolay e a Esposa do Moleiro. Em todos eles, a exuberância da natureza é cenário para a miséria e a dureza do espírito humano.

A imagem poética de tílias banhadas por raios de sol, pássaros piando ao entardecer e gotas de orvalho sobre flores emoldura vidas despedaçadas, como a de Stiópuchka, que não sabia o que iria comer no fim do dia; da serva Lukéria, cuja beleza fora abatida por um destino trágico e, presa a uma cama, esqueleto vivo, iluminava o mundo com sua alma angelical, capaz de se regozijar com o som de pássaros e coelhos; do ancião Ovciánikov; dos meninos que, acampados ao redor do fogo em Bezhin, reviviam fantasmas da velha Rússia; e de Moshel Leiba, judeu convertido em pária, resgatado da morte por Chertopakhanov e cujas demonstrações de gratidão eram recebidas como ultraje. 

Foi um dos primeiros livros a falar abertamente dos infortúnios da servidão. A reação do império não demorou. O censor que autorizou a publicação foi, por ordem pessoal do czar Nicolau I, demitido da função e privado de sua pensão, e a coleção teve a republicação proibida. Os censores imperiais justificaram a medida alegando que, embora Turgueniev tenha apresentado a vida dos servos de uma forma poética, exagerou seu sofrimento sob a opressão dos proprietários das terras.

É possível que, nove anos depois, o novo czar, Alexandre II, tenha se sensibilizado com a crueza da descrição de Turgueniev sobre as condições da servidão na Rússia, mas o escritor pagou caro tributo pela ousadia: foi condenado por Nicolau I a passar dois anos em prisão domiciliar. Nos anos de 1852 e 1853, ele ficou confinado à sua propriedade rural em Spasskoye. Oficialmente, a punição teria sido o tom do discurso de Turgueniev sobre a morte de Nicolai Gogol. Entretanto, a demissão do censor que aprovou Memórias de um Caçador aponta para a verdadeira razão da prisão.

Uma nova polêmica surgiu para Turgueniev com a  publicação de Pais e Filhos, em 1862. O romance relata o conflito de um estudante de Medicina, Ievgueni Bazarov, um materialista empenhado em negar o amor, a arte e qualquer autoridade. Bazarov é um iconoclasta, sem medo de ser rude. Crê apenas em verdades cientificamente comprovadas e não perde a oportunidade de confrontar o conservadorismo das gerações mais velhas e criticar as práticas das mais jovens. Turgueniev deu a essa atitude o nome de “niilismo”. Bazárov foi uma revolução. Nenhum personagem, antes dele, desafiara o cânone e o senso comum sobre família, tradição, política, sociedade e religião.

Pouco após a publicação de Pais e Filhos, iniciou-se na Rússia uma série de atentados, que embora fossem uma tendência do período e não tivessem qualquer relação com o niilismo dos personagens do livro, foram vinculados à influência deste sobre os jovens. Turgueniev lembra que, tão logo voltou à Rússia, ouviu de um amigo: “Viste o que os teus niilistas fizeram? Colocaram fogo em São Petersburgo!“. Quando os niilistas da vida real passaram a ser cada vez mais responsabilizados pelas atitudes iconoclastas, Turgueniev decidiu abandonar seu país.

Seis anos antes de Bazarov, o personagem-título do primeiro romance de Turgueniev, Dmitri Nikoláievitch Rúdin, havia revolucionado a literatura russa. Culto, encharcado de ideais libertários, Rúdin irrompera como um furacão no salão de Dária Mikháilovna e nunca mais aquele mundo provinciano seria o mesmo. Inspirado no anarquista Mikhail Bakunin, o personagem fulgura. Sua eloquência ardente soa arrogante quando, em verdade, se acha exasperado por não conseguir pôr em prática suas ideias em uma sociedade conservadora que o rejeita e ironiza. Com seus cabelos fartos, retórica arrebatada e idealismo apaixonado, Rúdin domina por bastante tempo a cena de trama psicológica intensa. O inesperado desfecho, diga-se, traduz bem a visão aguda de Turgueniev ao expor a patética situação dos intelectuais usados como bibelôs por ricos presunçosos.

Ivan Turgueniev jamais se casou. Ainda assim, muito amou – especialmente a talentosa pianista e cantora de ópera Pauline Viardot, casada e sua melhor amiga. Seguiu-a pela Europa inteira nas turnês, criou sua única filha junto aos filhos dela, mas há dúvidas se concretizou os sentimentos em um relacionamento oficial. Esse amor amordaçado, fisicamente impossibilitado, obrigado a ser platônico, desaguou em sua literatura, onde raros são os amantes que triunfam.

O paradoxo seguiu-o até o fim. Morreu na França, mas não numa mansão europeia e sim na datcha, a casa de campo tipicamente russa, que construiu para si no terreno da mansão Viardot, em Bougival. Pauline lhe segurou as mãos nas horas finais, em que todas as dores lhe desabaram sobre o corpo. Morreu como um russo, conformado perante o destino, com a coragem forjando máscaras e a mulher amada a contemplá-lo, entre lágrimas antecipadas de saudade.

Uma criança triste

Serguei Turgueniev, pai do escritor.

Ivan Sergeiévitch Turgueniev nasceu em Oryol, no dia 9 de novembro de 1818, em uma abastada família de proprietários rurais. Seu pai, Serguei, havia servido no regimento de cavalaria e seu estilo de vida perdulário o forçou a se casar, em 1816, com uma herdeira de quase trinta anos (considerada meia-idade para os padrões da época), a rica proprietária de terras Varvara Lutovinova.

Serguei Turgueniev era um homem de grande beleza física e causava na esposa um ciúme doentio. O casamento foi muito infeliz e os conflitos atingiram diretamente os três filhos do casal. Ao vir ao mundo o segundo filho, a mãe registrou em seu diário: “Um filho, Ivan, nasceu na segunda-feira, com 12 polegadas de altura (aproximadamente 53 centímetros)”. 

Acredita-se que o pai do protagonista de Primeiro Amor – um homem belo e sedutor que se torna amante da mulher por quem o filho se apaixonara – seja inspirado em um episódio real da adolescência de Turgueniev.

Até os nove anos de idade, Turgueniev morava na propriedade SpasskoyeLutovinovo, na mansão cercada de jardins, florestas e um lago. Em 1827, a família mudou-se para Moscou a fim de dar às crianças uma educação melhor. Um retrato do escritor aos 12 anos de idade mostra uma criança de olhar severo e expressão sombria. O escritor declarou que, por causa do temperamento da mãe, não tinha uma única lembrança feliz de sua infância. Revelou a tensão permanente que o fazia aguardar  explosões de raiva da mãe a qualquer instante: à mesa, no parque, enquanto observava os patos no lago ou escutava o canto dos pássaros.

Varvara tinha um caráter difícil, rigoroso e contraditório: alternava cuidados extremados e despotismo no trato com os filhos. Estes eram espancados com frequência, mas, simultaneamente, desfrutavam de educação esmerada, livros e tutores franceses e alemães.

Quando Ivan tinha 16 anos de idade, seu charmoso e irresponsável pai faleceu. A família mudou-se para São Petersburgo, onde o escritor e seus irmãos, Nikolai e Serguei, passaram a ser cuidados exclusivamente pela mãe. Em 1834, Turgueniev começou a estudar filosofia na Universidade de São Petersburgo, graduando-se três anos depois. Nessa época iniciou suas primeiras tentativas literárias: publicou uma coletânea de poemas no estilo de Byron e algumas traduções de Shakespeare e Goethe.

Durante as férias de verão na propriedade materna, continuava a testemunhar, com desgosto, a atitude despótica dispensada pela mãe aos cinco mil servos da família. Em maio de 1838 partiu para a Alemanha a fim de aprofundar seus estudos de filosofia na Universidade de Berlim, cujo reitor então era Friedrich Hegel. Entre seus companheiros estavam o poeta e filósofo Nikolai Stankevich e Mikhail Bakunin, um dos fundadores do anarquismo. Bakunin era sua companhia mais frequente nas apresentações musicais, de teatro e ópera – um amigo que ressurgiria quase vinte anos depois, com toda a força da imaginação de Turgueniev, como o personagem principal de um de seus mais famosos romances, Rúdin. 

Em 1840, Turgueniev regressou à Rússia e passou a trabalhar junto ao Ministério da Administração Interna. Na primavera daquele ano, de férias em Spasskoye, teve um romance com uma das costureiras de sua mãe, uma serva chamada Avdotya Ivanova. A mãe de Turgueniev não permitiu o casamento do filho com a camponesa e enviou a moça grávida para Moscou, onde a casou com outro homem. Um ano depois nasceria a primeira e única filha do escritor, Pelageya. A criança foi mantida escondida do pai, até 1850.

Nesse período começou a publicar poemas, crítica literária, contos e novelas. Sua obra traduzia o pensamento da geração de 1840, jovens russos inconformados com a injustiça social, o sistema de servidão, o regime czarista e o atraso do país. No final da década de 1840 escreveu bastante para o teatro. Suas peças se tornaram grande sucesso de público e foram calorosamente recebidas pela crítica.

A carreira literária

Pauline Viardot

O ano de  1843 foi marcante: Turgueniev publicou, sob o pseudônimo TL seu primeiro livro a receber atenção da crítica, Parasha, e conheceu o grande amor da sua vida, Pauline Viardot, uma cantora de ópera de origem franco-espanhola, casada com o historiador da arte Louis Viardot.

Quando a mezzo-soprano chegou a São Petersburgo para sua primeira turnê com a Companhia de Ópera Italiana, Turgueniev instantaneamente se apaixonou por ela, mas seus sentimentos não foram correspondidos. Resignou-se a segui-la pela Europa, no papel de amigo da família.

De fevereiro de 1847 a junho de 1850, Turgueniev trabalhou no exterior, passando longos períodos em Courtavenel, na mansão do casal Viardot. Ali, testemunhou os acontecimentos revolucionários que sacudiram Paris em 1848.

Pouco depois de seu retorno à Rússia, no verão de 1850, Varvara Turguenieva morreu. Ao tomar posse da herança que lhe deu completa independência financeira, o escritor libertou todos os servos que viviam em sua propriedade. A morte da mãe também permitiu que finalmente descobrisse a existência da filha Pelageya. Dois anos depois, publicou a versão definitiva de Memórias de um Caçador.

Após cumprir os dois anos de prisão domiciliar, Turgueniev voltou a Paris levando a filha. Na capital francesa, a menina  recebeu o nome de Paulinette, que soava mais francês, passou a ser educada com os filhos do casal Viardot e aos poucos esqueceu sua língua nativa. Em diversas ocasiões confidenciou que nunca foi feliz fora da Rússia.

Com a reputação consolidada após as Memórias, falante de várias línguas indo-europeias, rapidamente  Turgueniev tornou-se a ponte entre a Rússia e a Europa ocidental. Foi o primeiro escritor russo a se tornar célebre fora de seu país. Tornou-se amigo e comensal de todo o beau monde literário da época – dos irmãos Edmond e Jules Goncourt a Henry James, Carlyle, George Sand, Guy de Maupassant e Émile Zola. Seu mais próximo amigo? Gustave Flaubert.

A carreira de Turgueniev chegou ao auge com a publicação dos romances Rúdin (1856), Ninho de Nobres (1859), Na Véspera(1860) e Pais e Filhos (1862). As obras traem os conflitos de sua paixão por Pauline, mas Rúdin e Pais e Filhos vão muito além. Romances de idéias, neles Turgueniev  retoma com crueza e leve compaixão o retrato do “homem supérfluo”, que já dera título a um de seus contos “Diário de um homem supérfluo” (1852) e sido esboçado numa história incluída em Memórias de Um Caçador, “O Hamlet do Distrito de Shchigrovsky”.

Primeiro grande romance do escritor, Rudin foi escrito em apenas sete semanas. O nome do herói do romance tornou-se sinônimo de pessoas cujas palavras não correspondem às ações. Três anos depois, Turgeniev publicaria Ninho de Nobres, que se tornou tão popular na Rússia, a ponto de toda pessoa culta considerar um dever lê-lo. O filósofo, editor e crítico literário Nikolai Strakhov anotou: “Em Pais e Filhos, Ivan Turgueniev mostrou, mais claramente do que em todas as outras ocasiões, que a poesia, embora permanecendo poesia, pode servir ativamente à sociedade”.

Fortes críticas desabaram sobre o escritor após o lançamento do romance Fumaça, no qual zombava tanto da aristocracia russa conservadora quanto dos liberais revolucionários. Sua visão independente irritou quase todos e o fez perder vários amigos, que o acusavam de ser cada vez menos russo.

Quando Pauline Viardot se retirou dos palcos em 1864 e se estabeleceu com a família em Baden-Baden, Turgueniev se mudou para a cidade alemã. Agora, permanecia na Rússia apenas alguns meses por ano, geralmente no verão, para escrever na reclusão de Spasskoye; ou no inverno, para acompanhar a cena artística em São Petersburgo e Moscou, bem como para supervisionar a publicação de suas obras.

Com a Guerra Franco-Prussiana (1870 a 1871) e o colapso do regime de Napoleão III, os Viardot decidiram voltar para a França. Turgueniev mudou-se para o último andar da casa deles, em Paris. Voltava ocasionalmente para a Rússia. Foi uma época em que ele participou ativamente da vida cultural da Europa Ocidental, promoveu a literatura russa no exterior e manteve intensa correspondência e contatos com Charles Dickens, George Sand, Victor Hugo, Prosper Mérimée, Guy de Maupassant e Gustave Flaubert.

Na segunda metade da década de 1870, Turgueniev publicou seu romance mais significativo, Nov, no qual retratou de forma aguda e crítica os membros do movimento revolucionário da década de 1870. Embora sua popularidade continuasse alta, os intelectuais russos o acusaram de estar cada vez mais alienado da realidade de seu país.

No início de 1882, o início de uma doença grave deixou-o acamado durante a maior parte do tempo. Apesar das grandes dores, Turgueniev conseguiu completar mais uma história: Klara Milich, publicada em 1883 e  inspirada no trágico destino da cantora de ópera Yevlaliya Kadmina. Em janeiro de 1883, um tumor maligno (lipossarcoma) foi removido, mas houve metástase para a medula espinhal, aumentando-lhe as dores.

Nos últimos dias ditou algumas peças curtas, em francês, para Pauline Viardot, que esteve ao seu lado durante toda a fase final de sua doença e havia ficado viúva em maio daquele ano.

Em 3 de setembro de 1883, Turgeniev morreu em sua datcha em Bougival. Tinha 65 anos. Seus restos mortais foram levados para a Rússia e enterrados no Cemitério Volkov, em São Petersburgo, ao lado do túmulo de seu mentor e incentivador, o crítico Belinsky.

Milhares de pessoas foram prestar as últimas homenagens a um dos escritores mais amados da Rússia.

Pauline Viardot faleceu em 18 de maio de 1910. A filha de Turgueniev, Paulinette (Pelageya), morreu em 1919.

Relacionamento com outros escritores

Louvado pelo mundo artístico europeu e norte-americano, Turgueniev enfrentou crises e turbulências no relacionamento com seus compatriotas. Suas relações com Liev Tolstói e Fiódor Dostoiévski foram muitas vezes tensas, pois estes, por várias razões, se irritaram com o que julgavam preferência de Turgueniev pela Europa Ocidental.

Por outro lado, o agnóstico Turgueniev, ao contrário de Tolstói e Dostoiévski, não carecia de motivos religiosos em seus escritos. Seu enfoque era direcionado ao aspecto mais social do movimento reformista. E, ainda assim, compaixão, fortaleza espiritual e uma doçura únicas emergiam de seus escritos.

Em 1855, ele havia tomado o jovem conde Liev Tolstoi sob sua proteção. Tolstoi o admirava e havia registrado em seu diário sobre a dificuldade de escrever após ler Turgueniev. Seis anos depois, romperam e quase se bateram em duelo. Voltaram a ser amigos nos últimos anos da vida de Turgueniev.

Quando seu romance Fumaça foi publicado em maio de 1867, suas reflexões pessimistas sobre a música russa provocaram indignação em praticamente todos os círculos artísticos russos. Dostoiévski o visitou em Baden-Baden somente para acusá-lo de ter perdido o contato com a Rússia.

Em retaliação ao que considerou uma afronta ao seu país, Dostoiévski parodiou Turgueniev em seu romance Os demônios (1872), representando-o como o vaidoso romancista Karmazinov, ansioso para se tornar um jovem radical. A desavença entre os dois escritores se prolongou até as festividades em honra de Pushkin em Moscou, em junho de 1880. Ali, o brilho do discurso de Dostoiévski – um eloquente tributo ao espírito russo – fez Turgueniev chorar, assim como todos os demais presentes. Os dois se reconciliaram.

A relação Dostoiévski-Turgueniev é surpreendente. Apesar da rivalidade, em uma carta a seu irmão, Dostoiévski não escondeu a admiração: “O poeta Turgueniev voltou de Paris outro dia. (…) Que homem!  Poeta talentoso, aristocrata, bonito, rico, inteligente, educado, 25 anos. Eu não sei o que a natureza lhe recusou”.

Em contraposição aos conflitos em sua pátria, Turgueniev sempre desfrutou de grande prestígio em toda a Europa. Tornou-se figura central de saraus e encontros literários parisienses.

Henry James e Joseph Conrad o consideravam superior a Dostoiévski e Tolstoi. Henry James escreveu nada menos que cinco ensaios críticos sobre a obra de Turgueniev, elogiando sua composição “de primeira ordem” e a “delicadeza requintada” de seus textos.

Admirado fervoroso do escritor Turgeniev, Henry James quis conhecer o homem. Em 1875, foi a Paris expressamente para conhecê-lo. Não ficou desapontado. Tornaram-se amigos, e James o descreveu como “o mais encantador e amável dos homens” . Em uma carta de 1876 a William Dean Howells, disse que o escritor russo “era tudo o que se poderia desejar: forte, compreensivo, modesto, simples, profundo, inteligente, ingênuo – em resumo, angelical”. E complementou: “Ele era o mais rico e encantador dos interlocutores. Seu rosto, sua pessoa, seu temperamento, a excelência com que ele havia sido preparado para as relações humanas, deixam na memória de seus amigos uma imagem que é completada, mas não lançada na sombra, por sua distinção literária.”

Enquanto viveu, Turgueniev foi frequentemente convidado de honra de grandes eventos culturais, como o festival que celebrou em 1871 o centenário de Sir Walter Scott em Edimburgo; ou o Congresso Literário de Paris de 1878.

O escritor recebeu o título de Doutor Honoris Causa em Direito Civil pela Universidade de Oxford em 1879, por sua contribuição à libertação. dos servos na Rússia.

Durante todo esse período fez generosos esforços em favor de jovens russos, artistas e exilados políticos,  que buscaram sua ajuda em Paris.

Nos últimos anos de sua vida recebeu entusiasmada recepção do público russo quando visitou  Moscou e São Petersburgo.

A última estada de Turgueniev na Rússia foi no verão de 1881, dois anos antes de morrer. Entre os que vieram vê-lo em Spasskoye estavam Tolstoi e seu grande amigo, o poeta Yakov Polonsky. Foi também durante essa estada que Turgueniev escreveu uma de suas histórias mais misteriosas –  A Canção do Amor Triunfante –  que Tchaikovsky mais tarde pensou em musicar.

No século XXI, a lista de apreciadores de Turgueniev inclui Julian Barnes, que o tornou personagem de uma das histórias reunidas em A mesa limão; Tom Stoppard; e Alice Munro, que colocou dois personagens falando de Turgueniev num dos contos de Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento.

Mesmo o famoso cinismo de Vladimir Nabokov se rendeu a Turgueniev. Elogiou a “prosa musical fluida” embora tenha criticado seus “epílogos” e “o tratamento banal de enredos”. Nabokov o classificou em quarto lugar entre os escritores russos do século XIX, atrás de Tolstói, Gógol e Tchekhov, mas à frente de Dostoiévski.

Principais obras:

1850 – Diário de um Homem Supérfluo

1852 – Memórias de um Caçador

1857 – Rúdin

1859 – Ninho de Nobres

1860 – Primeiro Amor

1862 – Pais e Filhos

1866 – O Cão Fantasma

1872 – Águas da Primavera

1883 –  Klara Milich

Links:

Museu dedicado a Ivan Turgueniev em Moscou: Turgenev Museum, 37 Ulitsa Ostozhenka. Metro Park Kultury.

Museu Turgueniev em Paris (Casa onde o escritor faleceu. Em francês):

Memorial do Estado e Museu-Reserva Natural . (Propriedade da família de Ivan Turgueniev em Spasskoye-Lutovinovo. Em russo)

Wikipedia: Spasskoye-Lutovinovo (em francês, com fotografias do jardim e da mansão)

Spasskoye-Lutovinovo (Google Maps. Fotografias da mansão, dos jardins, do lago, da igreja local e das florestas onde Turgueniev caçava)