Clementine apareceu há um mês aqui em casa. Instalou-se sem pedir licença. Teceu uma teia comprida e agora fica pendurada, de cabeça pra baixo, entre a mesa de café da manhã e o pé de jasmim. É do tamanho da minha unha (do polegar da mão), incluindo as patas esticadas. A minúscula aranha canadense me ensina a arte de bem viver.
Clementine (pronúncia francesa, por favor) é uma tecelã. Pela manhã é ativa e serelepe. Faz reparos na teia, inspeciona os cantinhos e amplia seu território. Domina a técnica do rapel de um jeito único: mira o chão e desce velozmente, assunta um pouco no assoalho de madeira e retorna tão rapidamente como desceu. Como se uma roldana a puxasse. Trabalho feito, aquieta-se de ponta-cabeça e permanece imóvel. Não perturba o mundo nem se deixa perturbar por ele.
No segundo dia em que a notamos, eu e Alex conversávamos que nossa casa não tem insetos para ela. Que indelicados com a hóspede! Agora, a cada dois dias, meu marido caça uma formiga e a entrega a Clementine. Viva, claro, pois nosso pet aracnídeo é exigente e só degusta comida fresquinha.
Na hora da entrega da pobre vítima, sempre me sinto como aqueles sacerdotes astecas levando os azarados para o alto de uma pirâmide a fim de ofertá-los a alguma divindade de nome impronunciável. Secretamente peço à pobre formiga que nos perdoe por manipular o ciclo da vida.
Clementine sente o impacto da formiga na teia e rapidamente vai até a comida. Injeta uma substância que mantém a vítima em coma, embrulha na teia e guarda para comer na hora certa. Disciplinada, parece francesa: não come fora de hora. Ah, e não causa sofrimento desnecessário quando tem de se alimentar. Uma verdadeira discípula de Buda essa Clementine.
Um dia, tentamos atrair moscas gorduchas para a teia de nosso bichinho de estimação. Uma cena de comédia pastelão que envergonhou a todos os humanos envolvidos. Comprei salmão e deixei um pedacinho estrategicamente colocado perto da teia. O cheiro do peixe surtiu efeito. Logo, um exército de moscas bem nutridas fazia rasantes na cozinha, para meu completo desespero.
Alex, munido de um guardanapo, espantava as visitantes em direção à teia. Zap, zap! Falhamos miseravelmente. As moscas nos driblavam, passavam zunindo sobre nossas cabeças e me faziam dar gritinhos enojados. Nenhuma caiu na teia. Frustrada, acabei com a festa, espantei todo mundo, recolhi o peixe e Clementine teve de se contentar com outra formiga.
Aos poucos Clementine estendeu seus domínios até as cadeiras da cozinha. Agora, 50% delas pertence à mini aranha. Não temos coragem de destruir a teia caprichosa e delicada. Um trabalho artístico e pragmático. Pequena obra-prima da natureza, feita de exatidão e beleza.
Quando chegam os convidados humanos, oferecemos as duas cadeiras que restam e ninguém reclama. Particularmente divertido foi apresentar Clementine a um hóspede especial, cientista respeitado e ser humano adorável: o muy digno Professor Diego Aranha. Entenderam-se de imediato. Acho que o sobrenome pesou nessa amizade.
Quando penso em Clementine, lembro-me de Turgueniev e de Alberto Caeiro, capazes de enxergar poesia no barulho do vento nas árvores e num filete de sol se esgueirando entre folhas.
Agora estou escrevendo e Clementine me olha, toda tranquila, aguardando insetos distraídos caírem na teia. E eu, que a toda hora me maravilho com as coisas minúsculas da vida, já me afeiçoei à pequenina.