Quando Vincent van Gogh fechou os olhos para sempre, em Auvers-sur-Oise, na França, dois ciclos tiveram ali seu momento marcante: o primeiro se encerrava, sepultando, com o corpo ferido de Vincent, uma existência pautada por intenso sofrimento e rejeição. No mesmo instante iniciava-se o segundo, que em breves anos daria ao mundo o mais amado e celebrado pintor de todos os tempos, graças aos esforços da cunhada do artista, Johanna van Gogh, para divulgar sua obra.
Ainda hoje, além da beleza radiosa de suas telas, o paradoxo entre a vida trágica e o pós-morte glorioso de Vincent são os ingredientes mais evidentes da (com)paixão que desperta.
Vincent agonizou por dois dias e morreu, a uma hora da madrugada do dia 29 de julho de 1890, em seu quarto na estalagem Ravoux. Trinta minutos antes aninhou-se nos braços do irmão, Theo, e disse simplesmente: “É assim que quero morrer”. Um ano depois, Theo também estaria morto. Os irmãos estão sepultados em Auvers-sur-Oise, a poucos metros do campo de trigo que Vincent pintou.
Para assinalar a data da morte do pintor que converteu em pura beleza a dor de uma doença psiquiátrica (os especialistas acreditam que as fases eufóricas e as depressivas de Vincent se deviam ao transtorno bipolar), selecionei uma série de textos, vídeos, filmes, canções, poemas e reportagens sobre o pintor.
A seguir você encontrará uma crônica (Carta de Amor para Vincent), um poema de Cecília Meireles, um emocionante vídeo da série de TV da BBC “Doctor Who”, no qual van Gogh viaja para o futuro e se depara com seus quadros em exposição no Museu D’Orsay; o antológico texto de Antonin Artaud sobre van Gogh; além de links para as canções “Starry Starry Night” e “Chances” e os filmes “Theo e Vincent”, de Robert Altman, o trecho do filme “Sonhos”, em que Akira Kurosawa mergulha nos quadros de Vincent e um documentário baseado nas cartas de van Gogh, em que o pintor é interpretado pelo ator inglês Benedict Cumberbatch.
“Quando eu dou algo, dou o meu ser” – Vincent van Gogh

Outra carta de amor para Vincent
Vincent, a tua cor é a derramada em profusão e intensidade sobre uma tela receptiva e dócil. Pinceladas que carregam o peso do mundo, entre os amarelos mais vivos e os azuis sonhadores.
Cores de alucinação, entranhas e tormento que trazem lágrimas aos olhos, nó na garganta e – sim – sorrisos sem fim quando se está diante de uma tela feita de sol e de paixão.
Não basta pintar. Há de se pôr na tela a própria alma, misturar seu sangue bem vivo às tintas, evocar todas as Fúrias e Graças a fim de fazer brotar algo capaz de superar os grandes marcos da morte e do tempo.
Todos os anos, o dia da tua morte me traz lágrimas de uma saudade que nem cabe ou se explica. Este é o segredo dos grandes artistas: romper a barreira do tempo e despejar as emoções nos que viverão séculos seguintes. E me intoxico um pouco (de vinho e de poesia) para saudar a tua curta vida, embora tenha sido uma experiência gravada em sangue e um sofrimento inexprimível.
Para ti, meu Vincent, revivo este poema de dame Cecília Meireles, já que possessos e poetas se compreendem a bocca chiusa.
Canção para Van Gogh
Os azuis estão cantando
No coração das turquesas:
Formam lagos delicados,
Campo lírico, horizonte,
Sonhando onde quer que estejas.
E os amarelos estendem
Frouxos tapetes de outono,
Cortinados de ouro e enxofre,
Luz de girassóis e dálias
Para a curva do teu sono.
Tudo está preso em suspiros,
Protegendo o teu descanso.
E os encarnados e os verdes
E os pardacentos e os negros
Desejam secar-te o pranto.
Ó vastas flores torcidas,
Revoltos clarões do vento,
Voz do mundo em campos e águas,
De tão longe cavalgando
As perspectivas do tempo!
No reino ardente das cores,
Dormem tuas mãos caídas.
Luz e sombra estão cantando
Para os olhos que fechaste
Sobre as horas agressivas.
E é tão belo ser cantado,
Muito acima deste mundo…
E é tão doce estar dormindo!
É preciso dormir tanto!
(É preciso dormir muito…)
(Cecília Meireles. Amsterdã, 5 de novembro de 1951)
LEIA:
LITHOS – Uma crônica para van Gogh
Antonin Artaud – Van Gogh: o Suicidado da Sociedade
Canção para um pobre louco (fábula de Sonia Zaghetto)
ASSISTA:
Episódio Vincent da série de TV Doctor Who (Van Gogh visita o Museu D’Orsay com suas obras)
“Corvos”, do filme “Sonhos”, de Akira Kurosawa
“Vincent e Theo”, de Robert Altman
Documentário “Vincent van Gogh: painted with words”, com Benedict Cumberbatch
OUÇA:
Starry, Starry Night, de Don McLean
Chances. Athlete (trilha sonora do episódio de Doctor Who)
VEJA
Desafio van Gogh (teste de conhecimentos sobre Vincent van Gogh)
Comecei aleatoriamente.
Percebo que Turgueniev será uma constante. Segundo texto teu que leio e aqui está ele novamente.
Não sei como é com você. Mas quando passo um determinado tempo em algum lugar, observando, absorvendo, fico meio frustrado quando não posso acompanhar os ciclos das minhas observações, ter certeza de que se repetirão. Como o derretimento da neve no barco vermelho.
A morte deve ser isso.
Vou procurar ler um texto por dia.
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Paulo, querido, que leitor especial é você. Faz a alegria de um escritor. Muito obrigada!
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