Vamos falar de “Whataboutism”? 
A palavra de origem anglo-saxônica designa um recurso para se vencer um debate sem ter o trabalho e a vontade de contestar os argumentos do adversário. Pode ser traduzida na expressão: “E tal coisa?”. Exemplo: diante de denúncias de corrupção do seu político favorito você se finge de cego e sapeca um “Mas e o fulano? Ele roubou também!”. 

Ou seja, você não responde à acusação grave que é feita ao seu ídolo político. Simplesmente você ataca os adversários dele, alegando que fazem igual. 

Os russos, desde a guerra fria, dominam a arte do whataboutism. Este é uma derivação da falácia tu quoque (latim: tu também), em que alguém ataca a credibilidade de um argumento alegando que o oponente fez algo incoerente ou contraditório, e usa tal fato como desculpa. 

Não se engane, tudo isso é apenas recurso para manipular uma discussão. É propaganda. Retórica barata e marota, com preguiça ou incapacidade de discutir a moralidade e a essência de um fato. Por isso encerra o debate desviando o assunto, abusando de paralelismos primários. Em geral é motivada pela adesão dogmática ao pensamento de um grupo. Esta semana teve alguém na minha timeline criticando meus posts sobre as queimadas na Amazônia brasileira. Largou essa, com ares de sabichão: “E o que tem a dizer sobre os incêndios na California, onde você mora?”. Se eu caísse na armadilha, passaria horas explicando as razões dos incêndios que varreram a California no ano passado e pararia de falar do meu assunto principal: a Amazônia. 

O whataboutism tem um primo bem antigo, nascido em Roma, o Argumentum ad hominem (argumento contra a pessoa), que é quando alguém procura negar uma afirmação criticando o seu autor e não o conteúdo. Também é bastante usado nesses tempos de muito meme e pouca leitura.

Xingar Emmanuel Macron, atacar sua nacionalidade e sua esposa sem contestá-lo a sério no que diz é argumento ad hominem
As declarações genéricas e dúbias de Macron, feitas ontem a uma TV francesa, precisam ser esclarecidas. O que quis dizer exatamente? Só assim poderão ser contestadas, sem que uma onda de histeria se instale no debate. Por isso elas só vão me perturbar se começarem a se converter em algo concreto, real, que nos ameace. Até lá, falar é de graça e até papagaio fala.

Na minha avaliação, essa queda de braço Macron-Bolsonaro deveria ser analisada sob a ótica de outro clássico na política: encontrar um inimigo externo para tirar o foco dos problemas domésticos. A história mundial nos mostra como governantes se nutriram de um inimigo estrangeiro para desviar a atenção da população de um cenário interno complicado. 
Uma atitude sábia, neste momento, seria entender que fiscalizar a França não vai resolver os dramas brasileiros em relação ao meio ambiente. Muito mais efetivo e pragmático é cobrar do nosso governo medidas que contenham as queimadas e exigir a apresentação de projetos para impulsionar o desenvolvimento sustentável da região mais desassistida do país.

Só para fins históricos é que me interessa saber o que a França fez quando colonizou meio mundo. Diante de uma acusação de descaso com a floresta Amazônica, a resposta honesta deveria ser quanto o Brasil preserva de cobertura florestal nativa, que medidas estão sendo tomadas para proteger a floresta dos incêndios (que lá não são espontâneos e sim originados da mão humana) e qual o projeto do governo para desenvolver de forma sustentável a Amazônia? O foco da resposta é o problema brasileiro. Não é um capenga: “E as florestas da Europa?”. O argumento é infantil e soa como “Vocês devastaram as de vocês e agora é a nossa vez de acabar com as nossas”.

Mandar mensagens no WhatsApp esbravejando “oooolha o que a França faz com as suas terras e como age nas antigas colônias” em nada influencia na gestão ambiental brasileira, que é o NOSSO problema. E é whataboutism na sua mais pura expressão.

Temos uma floresta queimando, uma situação interna grave e precisamos falar de sustentabilidade. E falar com profundidade, longe desse viés enjoativo e militante, que se arrepia todo ao confundir questionamentos sérios com críticas gratuitas ao governo federal.