“Em meio às pestes, há mais coisas para admirar nos homens do que coisas a desprezar”. Albert Camus. A Peste.
A edição de 5 de abril de 2020 traz a tradução de uma carta emocionante que o francês Nicolas Starigk, de 25 anos, escreveu ao jornal L’Obs. Starigk cursa o último ano de Medicina em um hospital na Île-de-France, Paris, e descreveu o cotidiano dos que estão na linha de frente do combate à pandemia de coronavirus.
Sua carta inspiradora, plena de humanidade, é um apelo ao entendimento nestes tempos difíceis. Ela pode ser lida abaixo, na coluna “Palavra de Médico”, em tradução de Zileni Craveiro. Ao final do texto está o link para a reportagem original, em francês.
A imagem do dia vem da Austrália Ocidental, onde o premiê Mark McGowan “autorizou” o Coelho da Páscoa a quebrar a quarentena e fazer a distribuição de ovinhos de chocolate. McGowan recebeu mensagem de uma menina de 9 anos preocupada com as restrições causadas pelo coronavírus. O político então gravou um vídeo simpático, mostrando a assinatura do documento em que abria exceção para o viajante ilustre e tranquilizou as crianças. Veja a notícia e assista ao vídeo aqui.
Nossos destaques são as estatísticas da pandemia, as novas terapias para tratar os pacientes atingidos pela Covid-19, as medidas mitigatórias da crise a serem apresentadas pelo governo, a continuação dos atritos entre o presidente da República e o ministro da Saúde e os locais onde checar as fake news.
Boa leitura.
Palavra de Médico
“Somente serei médico daqui a alguns meses e vejo o mundo hospitalar apenas pelo meu próprio prisma e o de outros estudantes que tiveram a chance de circular por alguns anos pelos corredores de hospitais ligados às suas universidades. Então, mesmo não sendo médico ainda, sinto uma profunda necessidade de falar e responder às vozes de pânico que repetidamente ecoam nas televisões no quarto de meus pacientes, aos números desumanos que sobem e preocupam, e aos profetas que prevêem o fim de um sistema para melhor vender as más notícias.
Para aqueles que não nos conhecem, navegamos entre os serviços diurno e noturno, vestidos com nossos jalecos um pouco grandes emais, trocamos de setor várias vezes. Acabamos por conhecer até a personalidade dos chefes, os hábitos nos diferentes serviços, as ligações entre os diferentes médicos, os elevadores mais rápidos, os domínios da cozinha onde tentamos encontrar, famintos em nossas longas noites de plantão, um pequeno iogurte esquecido, e as passagens secretas dos subsolos.
No hospital, sem mesmo terem sido transcorridos 25 anos de vida, colocamos nossas mãos em primeiro lugar nos bebês que chegam ao mundo para iniciar toda uma vida. Vidas de amor e tristeza, de violência e ternura: vida de um ser humano. Vimos feridas, sangue e ouvimos costelas quebrando sob as palmas de nossas mãos que massageavam um coração. Mas também vimos pessoas apaixonadas, pessoas felizes, pessoas curadas, pessoas morrerem, pessoas sofrerem, pessoas sozinhas, pessoas sacrificando tudo e pessoas cometendo erros imperdoáveis. Vimos pessoas idosas como o mundo que se questionam sobre suas jornadas, que nos oferecem tesouros que somente o tempo de uma existência lhes permitiu acumular. Porque somos aqueles que ainda têm tempo para lhes oferecer. Damos a eles uma pequena parte de nossa juventude e eles nos dão uma grande parte de sua sabedoria e por isto jamais poderei lhes agradecer o suficiente…
Eu queria escrever hoje porque o que me entristece, mais do que os homens e mulheres que nunca param de morrer, são os vivos que continuam alimentando desavenças quando têm a possibilidade de uma escolha. Quando é dada a chance de nos reorientar, em um mundo em que as barreiras desfocadas do mundo virtual nos expõem, nos desentendemos e nos misturamos ao ruído de uma desunião grosseira.
Em retrospecto, erros foram cometidos, sim, mas por quem? Por um grupo de uma dezena de pessoas eleitas temporariamente? Pelos milhares de administradores que trabalham para o Estado e nos hospitais? Pelos milhões de eleitores que não escutavam quando o hospital pedia urgência? Por nós, os milhares de profissionais de saúde que até algumas semanas atrás não nos inquietávamos nem um pouco, porque já tínhamos conhecido “falsas pandemias”?
O que vejo hoje não são os culpados. O que vejo hoje é um sistema de saúde pública do qual tenho orgulho, porque esse sistema é a equipe médica mobilizada diante da crise e os não-médicos que, de alguma forma, lhes permitem fazê-lo. Nunca imaginei que pudéssemos ser tão organizados. Nunca pensei sentir tanta união no meio hospitalar no qual nós, estudantes, somos em geral intermitentes coadjuvantes.
Mas quando chego em casa, fatigado, faço uma incursão pelas mensagens das redes sociais, canais de notícias, talvez em busca de um pouco de conforto. Não deveria. Porque vejo tantas coisas, tanta violência, acusações, tanta raiva que não é realmente o que gostaríamos de ver depois de uma jornada como a que temos.
Gostaria que todos pudessem ver o que vi nas últimas semanas. Vejo infectologistas treinando cirurgiões para gerenciar doenças respiratórias na sala de emergência.
Vejo cardiologistas, geriatras e clínicos que gerenciam juntos as novas unidades criadas pelas reuniões diárias da crise.
Vejo centenas de médicos estudando dezenas de moléculas para propor um tratamento que funcione, cumprindo as regras da ciência, em um silêncio ético e modesto, longe do glamour das entrevistas à imprensa.
Vejo estudantes que, apesar da pouca experiência, se organizam para treinar os mais jovens a ajudarem na maca, se atualizarem nos protocolos de enfermagem para fazer perfusões, aplicar medicação, tratar e assim aliviar (um pouco) aqueles que já estão trabalhando tanto.
Eu vejo precisamente enfermeiras, auxiliares de enfermagem e funcionários da limpeza que exercem um trabalho já tão duro, mas que não reclamam e até continuam contando piadas e tornando agradáveis as horas passadas no trabalho.
Vejo equipes que encontram tempo, por mais precioso que ele seja, para ligar para as famílias proibidas de fazer visitas. Famílias para quem o ente querido está preso em uma engrenagem ainda mais desconhecida do que o habitual e contaminado por um inimigo ainda invencível. Mas as famílias nos entendem e nos apoiam, encarando tudo bravamente.
Vejo residentes que se organizam para ajudar onde é necessário, pulando de um andar para outro, em especialidades que não escolheram. Vejo médicos, chefes e professores continuando a nos ensinar e a nos proteger, de bom humor, enquanto suas cabeças têm mil razões para estar em outro lugar.
Vejo os proprietários do self-service do hospital distribuindo, com o maior dos sorrisos, os pratos embalados para a equipe de jalecos brancos, antes mesmo de formarem uma fila. Nunca um cordon-bleu de vagem me foi preparado com tanto amor por um desconhecido.
Vejo sucos, pães finos, caixas de chocolates, biscoitos que chegam sei lá de onde e que aquecem, desenhos de crianças cobrindo a parede fria do setor de reanimação e formando longas passarelas de honra para os que saem de lá.
Vejo pessoas nos aplaudindo na rua quando voltamos para casa, e os arco-íris colados nas varandas, que me fazem chorar de orgulho.
Vejo pessoas oferecendo seu apartamento para a equipe médica e muitas pessoas se ajudando.
Vejo amigos e famílias que se vêem com mais frequência do que antes, mesmo que uma tela os separe.
Talvez eu seja ingênuo, mas acredito igualmente que vejo centenas de homens e mulheres, independentemente de sua posição política, que também não têm descansado muito. No momento, eles estão lutando pela continuidade do que fazemos. Eles lutam para obter material que é produzido em outros lugares e para que as indústrias produzam mais e mais rápido, enquanto se preparam para o que vem depois…
E quaisquer que sejam meus ideais políticos, quaisquer erros que tenham sido cometidos no passado, têm todo meu reconhecimento… Reconhecimento porque sei que, nesta longa cadeia que é o sistema de saúde na França, cada elo tem sua importância. Sobretudo hoje.
Então, sim, é complicado. Sim, vai se tornar ainda mais difícil nos próximos dias. Sim, há lágrimas, tragédias familiares e profissionais. Sim, poderíamos estar mais bem preparados. Sempre podemos estar melhor preparados.
Atenção, não estou dizendo que o hospital deva funcionar nesse ritmo em tempos normais, que fechar leitos tenha sido uma boa coisa, que certas profissões não devem ser revalorizadas e que o número de funcionários é adequado. Mas amanhã, e até o final desta crise, eu gostaria tanto de voltar para casa e esquecer por um momento que certas coisas nos separam. Eu gostaria de poder colocar na mídia e na casa dos confinados um pouquinho que fosse de otimismo, um impulso coletivo e menos angustiado, com menos acusações, menos conspiracionismo. Porque a força de um sistema também pode ser sua capacidade de se adaptar a uma nova situação e se recuperar.
Eu não acho que se possa sempre prever tudo. Mas sempre podemos permanecer unidos por essa solidariedade que, como tenho tido provas nas últimas semanas, não é uma miragem.
Esta mensagem é para todos os meus pacientes à beira da morte ou sozinhos, que sonhavam com apenas uma coisa: estar algumas horas com seus entes queridos, desfrutar com eles os prazeres mais simples da vida, telefonar para um amigo para sentir uma última vez a impotência do tempo diante do amor e da beleza imortal do nosso mundo.
Obrigado,
um estudante de medicina”
Carta extraída do artigo de Doan Bui no periódico L’Obs, de 03/04/2020. Leia aqui o texto original: “Ce message est pour tous mes patients mourants ou seuls.
Estatísticas
O Brasil registra 11.281 infectados pelo coronavirus e 487 mortes confirmadas. No mundo, a pandemia já atingiu 1.276.302 pessoas e causou 69.527 mortes.
Houve 852 novas confirmações de Covid-19 em 24 horas, no Brasil. Um total de 54 pessoas morreram em decorrência da doença. O maior número de casos de Covid-19 está em São Paulo (4.620 infectados, 275 mortes) e o menor em Rondônia (12 infectados, uma morte). Todos os estados têm casos, 25 com óbitos: São Paulo, Rio de Janeiro (64), Ceará (26), Pernambuco (21), Amazonas (14), Santa Catarina (10), Paraná (9), Bahia (9), Rio Grande do Sul (7), Distrito Federal (7), Rio Grande do Norte (7), Minas Gerais (6), Espírito Santo (6), Piauí (4), Paraíba (4), Sergipe (3), Goiás (3), Alagoas (2), Maranhão (2), Amapá (2), Rondônia (1), Pará (1) e Mato Grosso do Sul (1). Apenas os estados do Acre e Tocantins não têm, até o momento, mortes confirmadas pela doença.
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Como contribuir
- O Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) Vila Mariana lançou programa para atender aos profissionais de saúde que lidam diretamente com pessoas contaminadas pelo coronavirus. Esses profissionais vivem diariamente a angústia da maior exposição ao risco, bem como testemunham os sofrimentos de pacientes e familiares, o que produz tremendo impacto sobre a saúde mental. Para doar, clique aqui.
- O Ministério da Saúde criou um canal para receber doações de insumos, materiais e equipamentos para o combate ao coronavírus. Para ajudar, basta enviar e-mail para juntoscontracovid19@saude.gov.br e informar o que pode doar, além das especificações do item e a nota fiscal ou declaração de propriedade. Entre os itens que podem ser doados estão desde máscaras, respiradores a equipamentos para realização de exames, como tomógrafos. Podem doar cidadãos e empresas nacionais ou estrangeiras, organizações internacionais ou mesmo países.
- Em todo o Brasil surgiram campanhas para arrecadar dinheiro e equipamentos de proteção para profissionais de saúde e comunidades carentes. Se quiser fazer alguma doação, clique neste link e escolha uma entre as iniciativas.
- Dois movimentos destinados à filantropia lançaram campanha conjunta, para convencer grandes fortunas brasileiras a doarem para o combate ao coronavírus. O objetivo é levantar recursos em um fundo emergencial para a compra de material hospitalar e equipamentos por quatro instituições públicas de saúde. A campanha usa a plataforma de crowdfunding (financiamento coletivo) para causas sociais BSocial. Clique aqui para acessar o site.
Em tempo real
Para acompanhar a evolução do número de casos e óbitos no Brasil, clique aqui.
Mapa da Covid-19 no planeta. Para acompanhar a pandemia no planeta clique aqui
Combate às Fake News
Recebeu no WhatsApp algum vídeo suspeito ou notícia sobre métodos revolucionários para se proteger do coronavírus? Melhor checar antes de espalhar a novidade. Veja as nossas sugestões: você pode entrar na página do Ministério da Saúde (clique aqui) ou no site elaborado pela equipe do G1 (aqui) a fim de conferir se não é boato, alarmismo ou fake news. Outra opção é entrar na página do jornal O Estado de São Paulo, especialmente dedicada às Fake News. O jornal O Globo lançou uma plataforma que ajuda a população a se manter informada sobre tudo acerca do coronavírus. Clique aqui para acessar a plataforma. Há também uma seção inteira da Folha de São Paulo que você acessa clicando aqui.
Atenção: Ministério da Saúde não pede doação de dinheiro.
Diante dos relatos reiterados de golpes que vem sendo aplicados por estelionatários por meio de chamadas telefônicas ou mensagens de Whatsapp, o Ministério da Saúde informa que não pede nem recebe doações em dinheiro, assim como não há fundo exclusivo para receber recursos da população para combate à pandemia de covid-19.
Da mesma forma, o ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em hipótese alguma solicita doações de recursos da população para combater a pandemia de covid-19. O Ministério da Saúde admite receber doações apenas de insumos, equipamentos e materiais médicos-hospitalares relacionados ao combate à pandemia. Os interessados em fazer doações desse tipo devem procurar o Ministério da Saúde por intermédio do e-mail juntoscontracovid19@saude.gov.br.
Muito bom, Sônia. Um verdadeiro alento. Abraço pra você!
Enviado do meu iPhone
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“Em meio às pestes, há mais coisas para admirar nos homens do que coisas a desprezar”
Citação perfeita para o momento que estamos vivendo! Isso mesmo!!
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