“A escolha está conosco; se a quisermos, nossa casa se torna um paraíso. Pois a vontade do homem é onipotente, embotando as flechas da morte, acalmando o leito da doença e enxugando as lágrimas da agonia“. Mary Shelley. O Último Homem.
Os números mostram que a pandemia de coronavirus se aproxima de 2 milhões de infectados em todo o planeta. No Brasil, 20 mil pessoas já foram atingidas e mais de mil brasileiros não sobreviveram à infecção.
A edição de hoje (11 de abril de 2020) traz estatísticas, as principais notícias, dicas de onde checar a veracidade dos boatos e fake news que circulam na internet. Em meio a cenas de hospitais e enterros, o espírito humano produz imagens de dolorosa beleza e convites à reflexão. Como o papa Francisco acompanhado por médicos e enfermeiros (a segura distância) na Via Sacra ou a rainha Elizabeth, a romper o protocolo para fazer pela primeira vez um pronunciamento de Páscoa a fim de reforçar a esperança em meio às incertezas: “Por mais escura que a morte possa ser – especialmente para aqueles que sofrem com tristeza – luz e vida são maiores”.
Na coluna “Palavra de Médico”, o emocionante depoimento da médica Angélica Kolody Mammana, sobre o nosso papel neste momento de crise e sobre decisões mínimas que têm grandes impactos em nossas vidas. Basta alguns segundos para tudo mudar. Por vezes, irremediavelmente.
A imagem do dia vem dos Estados Unidos. A fotógrafa Cessna Kutz capturou um magnífico arco-íris horizontal sobre o Lago Sammamish, no Estado de Washington. Tecnicamente, os chamados arcos de fogo ou circum-horizontais são fenômenos ópticos que ocorrem quando o sol está acima de 58° no céu. São causados pela refração da luz através de cristais de gelo em nuvens cirros (aquelas que parecem plumas espalhadas muito alto pelo céu). Mas quem quer se focar nas tecnicalidades diante da linda imagem que traduz cor e beleza nesses tempos tão cinzentos? Aprecie o presente da natureza.
Estatísticas
As Secretarias de Saúde atualizaram para 20.727 o número de casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus no Brasil. A doença já matou 1.124 brasileiros. Em 24 horas, foram mais 1.089 casos e 68 mortes somadas às estatísticas. No mundo, a pandemia atingiu 1,733,792 pessoas e causou 106,469 mortes. Em todo o planeta 392,781 pessoas estão curadas da doença, sendo 173 no Brasil.
O maior número de casos de Covid-19 está em São Paulo (8.419 infectados, 560 mortes) e o menor no Tocantins (23 infectados, nenhuma morte). Todos os estados têm casos, 26 com óbitos: São Paulo, Rio de Janeiro (155), Pernambuco (72), Ceará (67), Amazonas (53), Paraná (26), Maranhão (21), Bahia (21), Santa Catarina (21), Minas Gerais (17), Rio Grande do Sul (15), Distrito Federal (14), Rio Grande do Norte (13), Paraíba (11), Pará (10), Goiás (10), Espírito Santo (9), Piauí (7), Sergipe (4), Alagoas (3), Amapá (3), Mato Grosso (3), Roraima (3), Acre (2), Mato Grosso do Sul (2) e Rondônia (2) . Apenas o estado do Tocantins não tem, até o momento, mortes confirmadas pela doença. O índice de letalidade subiu para 5,4%.
Palavra de Médico
Angélica Kolody Mammana
Recentemente uma amiga me perguntou qual foi o caso que mais mexeu comigo, em toda a minha carreira médica. Eu hesitei antes de responder. Poderia parecer difícil, em mais de duas décadas atuando em medicina, mas eu sei EXATAMENTE qual foi.
Não foi nenhuma doença desfigurante, não foi o acidente ou a tragédia em si. Para essas coisas, por sinal, eu tenho nervos de aço. Sempre tive. Mas esse caso foi diferente.
Eu era aluna de sexto ano da faculdade de medicina, estava passando pelo estágio de cirurgia. Como os colegas que são médicos bem sabem, nos estágios da cirurgia os médicos mais novos não fazem lá muita coisa importante. São inexperientes: apenas observam os mais velhos atuando para aprender, e os auxiliam.
Era noite. Estávamos de plantão no pronto socorro cirúrgico do Hospital das Clínicas e chegou uma ambulância. A paciente era uma menina de vinte e poucos anos, praticamente minha idade na época, que tinha sofrido um acidente de automóvel. Ela estava sem cinto de segurança e, em uma colisão frontal, foi arremessada pela janela da frente do carro a uma distância de mais de 3 metros, em plena avenida Vinte e Três de Maio. Colocaram-na na sala de emergência e começaram a fazer a reanimação. Minha função, como interna, era uma só: colocar o oxímetro (aquele aparelhinho que mede a oxigenação) no dedo dela, olhar e tentar não atrapalhar quem estava em volta. Mas foi exatamente essa minha mísera função que gerou o acontecimento que mais me marcou. Eu segurei a mão dela, era muito pequena. Era uma japonesinha pequenina. Fui colocar o oxímetro no dedo indicador e- surpresa, o esmalte dela estava molhado. Unhas recém feitas, nem tinha dado tempo de o esmalte secar.
Por ridículo e pequeno que isso possa parecer para qualquer um, esse detalhe tão singelo abalou meu mundo, naquele momento. Eu olhei para ela, toda ferida, e refiz os passos dela na minha cabeça. Ela tinha ido fazer as unhas, se preparando para um amanhã que não chegaria. Entrou no carro para ir para casa e deve ter pensado: “O caminho é tão curto… Vou sem cinto, se eu fixa-lo vai estragar minha unha”. De repente, em minha cabeça, tive a certeza de que tinha sido isso. O não querer estragar o esmalte, esta decisão tão pequena, o que lhe custaria a vida.
E custou.
Poucos minutos depois ela faleceu. Coube a mim, em um dos momentos mais marcantes da minha vida, contar isso para a família. Assisti recentemente a uma cena de “Grey’s Anatomy” (não gosto muito deste seriado, mas esta cena vale a pena) que me levou imediatamente àquele dia. A cena em que a personagem Meredith diz algo como: “para vocês, aquele é apenas mais um dia de trabalho. Mas a pessoa com quem você está falando vai se lembrar de você, desse momento e do seu rosto para sempre”.
Era o namorado dela quem estava na porta. Quando eu dei a notícia, do melhor jeito que consegui, ele desabou no chão, sentado, soluçando: “Mas ela nunca andava sem cinto de segurança, nunca, nunca!”
Isso é tudo o que me lembro daquele dia. Porque o dia, para mim, acabou naquele segundo.
Minha cabeça começou a girar, e até hoje não sei exatamente o que aconteceu comigo. Saí na rua, à noite, vi a banca de jornais fechada com os cartazes pregados por fora- lembro exatamente da banca- e pensei que a menina cuja mão eu tinha acabado de segurar nunca mais faria coisas simples como ver a capa de um jornal. Não iria mais olhar os mosquitinhos que voam ao redor da luz dos postes. Não ouviria mais a buzina de um carro, não experimentaria mais uma pipoca quente, como a que o incansável pipoqueiro vendia na rua.
Caiu em mim como uma rocha a percepção de como a vida muda em uma fração de segundos. Como pequenas decisões podem gerar grandes consequências, em um gigantesco efeito borboleta, uma cascata de eventos. De repente a vida de todos em volta estava mudada. A da família dela, do namorado, e agora até mesmo a minha.
Por que este texto agora? Eu mesma me pergunto por que essa noite me veio à tona quando a Soninha me pediu para escrever. Estou tentando entender por que meu inconsciente a buscou.
Eu me pergunto se é por uma das- incontáveis- reflexões que já fiz sobre aquele dia.
Cada um traz uma responsabilidade gigante dentro de si, porque seus atos podem gerar um efeito que se dissemina muito além de sua própria existência.
Quando pensamos em “atos” que geram efeitos, costumamos pensar em coisas grandiosas. Em coisas sublimes. Nunca nos ocorre que uma coisa mísera, como fixar um cinto para andar apenas alguns quarteirões, ou- no caso do nosso momento- usar uma simples máscara e lavar as mãos, pode levar a consequências enormes.
Talvez o que mexeu comigo fosse também a menina ter praticamente minha idade? Poderia ser eu? Quando olhamos estatísticas e números de pacientes, nossa mente se distancia dos fatos.
Precisamos dar nomes e rosto aos números. Estes números de óbitos são pais e filhos de alguém, irmãos de alguém. São a namorada de um cara que vai se sentar no chão soluçando. Estes números têm nome e sobrenome, e as nossas decisões, as que estamos tomando agora, vão decidir como vamos repercutir estes soluços sobre o mundo.
Mas nossos atos mudam o mundo também para o bem. Para melhorarmos, para evoluirmos, para fazermos coisas positivas.
Vamos colaborar com o que a ciência está, hoje, nos pedindo para fazer?
Pode parecer que estamos fazendo coisas muito pequenas, mas tenho convicção de que NADA é pequeno demais.
O exemplo recente de um menino que doou R$ 21,45 para um respirador, pensando que poderia ser só isso o que faltava para comprá-lo, é uma lição que tem que ser ouvida.
Então acho que o que eu queria dizer é: nenhuma atitude é pequena demais, nem simples demais. Minha mísera função de interna, a função pouco glamourosa de colocar um oxímetro no dedo de uma paciente, transformou inesperadamente minha maneira de olhar as coisas.
Eu acredito que era para eu estar lá, naquele momento, mesmo parecendo algo tão singelo.
Não são só as coisas grandiosas que mudam o mundo, nem as que mudam as pessoas.
Qual é a parte que nos cabe, neste momento de crise?
Qual o efeito borboleta que cada um decidirá gerar ao redor de si?
Principais notícias
Covid-19 matou mais em 2020 do que dengue, sarampo e H1N1 somados. Leia.
Em Goiás, Bolsonaro visita hospital de campanha e vai ao encontro de apoiadores; Mandetta e Caiado, presentes no local, defendem distanciamento. Leia.
Com sistema de saúde em colapso, Manaus ganhará hospital de campanha federal. Leia.
Estudo aponta 3 tipos do novo coronavírus. Leia.
Artigo: O medo da morte aproxima os polos políticos. Leia.
65 estudos científicos investigam efeitos da cloroquina contra covid-19; só 3 foram finalizados. Leia.
Coronavírus: ‘dupla curva’ mostra que escolher entre salvar vidas ou a economia é falso dilema. Leia.
Mortes por coronavírus no Brasil: conheça vítimas da covid-19.
Coronavírus rouba rituais de adeus das famílias a seus parentes. Leia.
Isolamento social em São Paulo é de 57%, aponta sistema de monitoramento. Leia.
Em meio ao coronavírus, desmatamento da Amazônia foi única coisa que não parou em março. Leia.
Morte de mais um indígena por coronavírus. Leia.
Internacional
Médicos e enfermeiros acompanham Papa Francisco na procissão de Via Crucis no Vaticano. Leia.
EUA se tornam país com mais mortes por coronavírus no mundo, diz universidade. Leia.
Nacionalismo atrapalha a batalha global contra o coronavírus. Leia.
Coronavírus: como o mundo desperdiçou a chance de produzir vacina para conter a pandemia. Leia.
Trump’s Aggressive Advocacy of Malaria Drug for Treating Coronavirus Divides Medical Community. While Dr. Anthony Fauci has urged caution in using hydroxychloroquine, some doctors are prescribing it to patients who have the virus despite the fact it has never been tested for it. Leia (em inglês)
Notícias inspiradoras
Páscoa: rainha Elizabeth II quebra protocolo em novo discurso emocionante. Pela primeira vez, em 68 anos de reinado, a rainha fez um pronunciamento na Páscoa. Leia.
Após alguns dias de quarentena, a poluição diminuiu e os indianos passaram a avistar as montanhas do Himalaia. Veja as fotos que eles postaram.
‘Durmo no terraço para não infectar minha mãe’, diz técnico em enfermagem que ganha R$ 80 por plantão de 12 horas. Leia.
Graças a isolamento, pandas em zoológico acasalam após dez anos de tentativa. Leia.
Pesquisas em andamento
O hospital Sírio-Libanês iniciou um projeto de pesquisa para avaliar eventual benefício da infusão de plasma de pacientes que tiveram a forma branda branda de Covid-19 para tratar pacientes que estão com a forma grave da doença. Os potenciais doadores são homens entre 18 e 60 anos que testaram positivo para o coronavirus e desenvolveram formas menos agressivas da doença. Saiba mais clicando aqui.
Cientistas brasileiros vão começar a testar um anticoagulante para tratar casos graves de infecção pelo novo coronavírus. Um protocolo experimental do uso do medicamento heparina está sendo finalizado por profissionais do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, e deve em breve ser avaliado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Leia.
Uma parceria entre o Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), junto com com o Ministério da Saúde, inicia pesquisas para avaliar a eficácia e segurança de medicamentos para pacientes com infecção pelo novo coronavírus (COVID-19). Com o apoio na pesquisa da farmacêutica EMS fornecendo os medicamentos hidroxicloroquina e azitromicina. Participarão do estudo entre 40 e 60 hospitais. Saiba mais.
Utilidades
Como higienizar compras. Saiba aqui.
Fazer exercícios físicos ao ar livre durante a quarentena é recomendável?. Leia.
Campanhas beneficentes
- O Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) Vila Mariana lançou programa para atender aos profissionais de saúde que lidam diretamente com pessoas contaminadas pelo coronavirus. Esses profissionais vivem diariamente a angústia da maior exposição ao risco, bem como testemunham os sofrimentos de pacientes e familiares, o que produz tremendo impacto sobre a saúde mental. Para doar, clique aqui.
- O Ministério da Saúde criou um canal para receber doações de insumos, materiais e equipamentos para o combate ao coronavírus. Para ajudar, basta enviar e-mail para juntoscontracovid19@saude.gov.br e informar o que pode doar, além das especificações do item e a nota fiscal ou declaração de propriedade. Entre os itens que podem ser doados estão desde máscaras, respiradores a equipamentos para realização de exames, como tomógrafos. Podem doar cidadãos e empresas nacionais ou estrangeiras, organizações internacionais ou mesmo países.
- Em todo o Brasil surgiram campanhas para arrecadar dinheiro e equipamentos de proteção para profissionais de saúde e comunidades carentes. Se quiser fazer alguma doação, clique neste link e escolha uma entre as iniciativas.
Em tempo real
Para acompanhar a evolução do número de casos e óbitos no Brasil, clique aqui.
Mapa da Covid-19 no planeta. Para acompanhar a pandemia no planeta clique aqui
Combate às Fake News
Recebeu no WhatsApp algum vídeo suspeito ou notícia sobre métodos revolucionários para se proteger do coronavírus? Melhor checar antes de espalhar a novidade. Veja as nossas sugestões: você pode entrar na página do Ministério da Saúde (clique aqui) ou no site elaborado pela equipe do G1 (aqui) a fim de conferir se não é boato, alarmismo ou fake news. Outra opção é entrar na página do jornal O Estado de São Paulo, especialmente dedicada às Fake News. O jornal O Globo lançou uma plataforma que ajuda a população a se manter informada sobre tudo acerca do coronavírus. Clique aqui para acessar a plataforma. Há também uma seção inteira da Folha de São Paulo que você acessa clicando aqui.
Atenção: Ministério da Saúde não pede doação de dinheiro.
Diante dos relatos reiterados de golpes que vem sendo aplicados por estelionatários por meio de chamadas telefônicas ou mensagens de Whatsapp, o Ministério da Saúde informa que não pede nem recebe doações em dinheiro, assim como não há fundo exclusivo para receber recursos da população para combate à pandemia de covid-19.
Da mesma forma, o ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em hipótese alguma solicita doações de recursos da população para combater a pandemia de covid-19. O Ministério da Saúde admite receber doações apenas de insumos, equipamentos e materiais médicos-hospitalares relacionados ao combate à pandemia. Os interessados em fazer doações desse tipo devem procurar o Ministério da Saúde por intermédio do e-mail juntoscontracovid19@saude.gov.br.
Muito bom!!! Parabéns!!!
CurtirCurtir
Nota dez para todos os diários! Abrangência, fontes indicadas, seleção de fato relevante: com base na importância científica e na sensibilidade da abordagem. E ainda escrita perfeita, coisa rara hoje em dia.
CurtirCurtir
Muito obrigada, Ione. Cuide-se bem! Um abraço.
CurtirCurtir