Yet the first bringer of unwelcome news
Hath but a losing office, and his tongue
Sounds ever after as a sullen bell,
Remember’d tolling a departing friend.
William Shakespeare, Henry IV.
πάρειμι δ᾽ ἄκων οὐχ ἑκοῦσιν, οἶδ᾽ ὅτι: στέργει γὰρ οὐδεὶς ἄγγελον κακῶν ἐπῶν.
“Aqui estou, contra a minha vontade e indesejado por ti, bem sei, pois ninguém aprecia o portador de más notícias”, as palavras são de um guarda abatido, temeroso de dizer ao rei Creonte que alguém enterrou o corpo de Polinices.
A frase é milenar. Está na Antígona, de Sófocles. O mesmo pensamento pode ser encontrado em Henrique IV, de Shakespeare, quando Northumberland ouve a notícia da morte do filho e encerra sua fala dizendo que o portador de notícias ruins exerce um triste ofício e sua voz ressoa como um dobre de Finados.
Na arte e na vida, ninguém gosta do mensageiro de más novas. É um papel que ninguém deseja para si, igualmente. Mas por vezes é necessário dá-las. Dizê-las com sobriedade, para não quebrar irremediavelmente os espíritos, mas usar de tal sinceridade que não reste dúvida de que se diz a verdade.
O ofício de jornalista é árduo. Intermediário entre o fato e o público, não raro torna-se o mensageiro odiado. Em tempos de catástrofes, equilibra-se entre as notícias carregadas de esperança e as informações duras, pesadas, que correspondem à realidade. Esta não deve ser ocultada. Apesar de dolorosa, deve ser dita, para dar aos homens a oportunidade de escolherem seu caminho ou de se prepararem adequadamente para as horas mais sombrias. É um tributo ao livre arbítrio do leitor e uma demonstração de respeito.
Cabe fazer uma diferenciação que nem sempre o público leigo percebe. A um jornalista cabe informar objetivamente nas reportagens. Esta recebe melhor os substantivos e verbos e olha com desconfiança adjetivos e advérbios. Se o jornalista, como é o meu caso, tem espaço num blog todo seu ou uma coluna em um grande veículo, ali oferece a sua opinião. E mesmo esta, penso eu, deve ser manifestada com equilíbrio, sem excessos. Um olho no gato, outro no peixe, pois a mente é traiçoeira e as paixões atrapalham o julgamento. Foi assim que aprendi. É o que tento fazer diariamente.
Sim, é uma platitude dizer que nós, jornalistas, também carregamos sentimentos e preferências. O problema está em vê-los extrapolar para a reportagem. Alguns sucumbem explicitamente às suas emoções e visões de mundo. É uma pena. Lamenta-se porque desgasta a toda a categoria. Outros, ainda fiéis à antiga escola, tentam não deixá-las transparecer nas reportagens, evitando o viés ao máximo que conseguem. É difícil. Alguns de nós fazem isso buscando na memória o nosso código de ética, apegando-nos a férreos princípios éticos a fim de manter a neutralidade possível no texto.
Na maioria dos dias, o bordão “a culpa é da imprensa” cai sobre nossas cabeças. Às vezes é imerecido; outras vezes justo. Paciência, acontece com todas as profissões. Ainda assim, é um ofício apaixonante.
Em momentos de crise, cá estamos, os jornalistas, a trazer notícias do front. Presentes nos cenários de guerra, ouvindo as balas zunirem sobre as cabeças, denunciando os abusos das ditaduras, checando a veracidade dos boatos e dados divulgados, desvendando fome, miséria e genocídios, expondo corrupção, desvarios, equívocos e tudo o mais que os governos do mundo desejam ocultar. Muito antes das redes sociais, estávamos nós a falar de crianças famélicas na África, dos horrores do napalm no Vietnam, dos campos de concentração na Europa, de genocídios, de abusos e dos efeitos das bombas sobre os humanos. Vários deram a vida para que a informação chegasse.
E se a catástrofe é na saúde, como ocorre agora, estamos também a postos. Na porta dos hospitais, atualizando estatísticas, igualmente expostos ao risco, também nós com medo do contágio, também nós voltando para casa receosos de trazer o vírus para pais, avós, filhos e cônjuges.
Mas permanecemos firmes. Você deve ter notado que a cobertura continua. De todas as partes do mundo chegam notícias. Dolorosas ou de refrigério. E basta um só exemplo para lembrar que estes mensageiros-jornalistas, tão vilipendiados, fizeram falta quando a epidemia iniciou na China. Uma imprensa livre – mesmo que cometa erros, mesmo que nos desagrade – ainda é um dos pilares de uma sociedade não amordaçada.
Por fim, voltemos ao ponto que iniciou este texto: a tarefa de dar más notícias. Quem escreve, sabe que lhe pesa sobre os ombros uma grande responsabilidade. Deve se policiar para não espalhar pânico desnecessário, mas não pode – a fim de agradar às almas mais impressionáveis – simplesmente negar-se a enxergar e mencionar a veracidade dos fatos, por mais assustadora que seja. Aderir ao negacionismo não é opção. Seria um desserviço.
O fato é que, para ser um jornalista digno da profissão, há de se ter coragem. Muita. E pele grossa, pois o jogo é bruto. 🙂
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Disclaimer: Não, em momento algum eu disse aqui que a imprensa não tem falhas. Elas existem e estão à vista de qualquer leitor ou espectador, como diz o texto. Mas também tem virtudes. E negá-las é mera teimosia. Mesmo em meio a exageros e vieses que todos são capazes de identificar, a imprensa brasileira tem feito um grande trabalho nestes tempos de pandemia. Quem se der ao trabalho de visitar os sites dos jornais (G1, Folha, Estadão, BBC, Reuters, CNN, AP e o jornal de seu Estado) verificará que há uma série de reportagens sérias, positivas, com serviços importantes para a população: utilidades em época de crise, respostas a dúvidas, checagem de fake news, locais onde se divertir na quarentena, boas ações que acontecem em todo o País, campanhas de auxílio a quem está em dificuldade. Basta procurar. Está inteiramente à disposição do público, pois todas as matérias estão abertas, gratuitamente, para qualquer leitor.
É desnecessário aplaudir ou elogiar nosso trabalho. este não é o objetivo do presente texto: basta não enxovalhar o tempo inteiro e não generalizar. Já está de muito bom tamanho. And, please, don’t shoot the messenger.
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Ilustração: Antígona diante do corpo de Polinices. Nikifóros Lýtras (1865)
“Dizê-las com sobriedade, para não quebrar irremediavelmente os espíritos, mas usar de tal sinceridade que não reste dúvida de que se diz a verdade.“
Exatamente como você faz, querida Sônia!
Com muito carinho e admiração, lhe agradeço de coração!!
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Obrigada, minha querida Thanya. Um abraço carinhoso.
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