Há quatro meses surgiram as primeiras notificações de uma doença respiratória que hoje chamamos de Covid-19. Nesta segunda-feira, 13 de abril de 2020, o número de infectados no planeta ultrapassou dois milhões de pessoas. No Brasil, são oficialmente 23.430 casos confirmados e 1.328 mortes, mas um estudo conduzido por diversas universidades brasileiras indica que o número real de infectados pode superar 225 mil no país.
Na edição de hoje, a coluna Palavra de Médico traz o depoimento contundente e exclusivo de um médico que atende pacientes com Covid-19 em um grande hospital de Paris e que pediu para seu nome ser mantido em sigilo. O primeiro registro foi escrito antes da pandemia de coronavírus chegar ao ápice na França. No segundo, profundamente emocionado, já com o hospital lotado, o médico narra a sua rotina exaustiva e o impacto psicológico das duras escolhas que as equipes são obrigadas a fazer diante da falta de respiradores suficientes para todos os pacientes.
Ao final, o médico manda um recado aos brasileiros: “Por favor, levem isto a sério”.
As principais notícias são relacionadas ao avanço da doença no Brasil e às medidas destinadas a compensar o impacto da paralisação econômica.
A imagem do dia vem dos Estados Unidos, onde médicos e enfermeiros colam, em seus trajes de proteção, fotos em que aparecem sorridentes. É um gesto de gentileza, voltado para tranquilizar os pacientes de Covid-19 (leia aqui).
Estatísticas
O Ministério da Saúde atualizou para 23.430 o número de casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus no Brasil. A doença já matou 1.328 brasileiros, 105 nas últimas 24 horas. No mundo, a pandemia atingiu 2.019.320 pessoas e causou 119.483 mortes. Em todo o planeta 448.655 pessoas estão curadas da doença.
O maior número de casos de Covid-19 está em São Paulo (8.895 infectados, 608 mortes) e o menor no Tocantins (26 infectados, nenhuma morte). Todos os estados e o DF têm casos, 26 com óbitos: São Paulo, Rio de Janeiro (188), Pernambuco (102), Ceará (91), Amazonas (71), Paraná (31), Maranhão (27), Santa Catarina (24), Minas Gerais (23), Bahia (22), Rio Grande do Norte (17), Rio Grande do Sul (16), Distrito Federal (15), Pará (15), Goiás (15), Espírito Santo (14), Paraíba (13), Piauí (8), Amapá (5), Mato Grosso (4), Mato Grosso do Sul (4), Sergipe (4), Alagoas (3), Roraima (3), Acre (3) e Rondônia (2) . Apenas o estado do Tocantins não tem, até o momento, mortes confirmadas pela doença. O índice de letalidade subiu para 5,7%.
Palavra de Médico
Dia 1
“O hospital em que eu trabalho, em Paris, está cheio de pacientes infectados pelo coronavírus. Vai se tornar uma referência para a doença. Só hoje eu internei 10 (cinco deles com menos de 50 anos).
Esta semana e na próxima estaremos no pico da infecção. O governo francês está pagando hotéis próximos aos hospitais para que os médicos e demais trabalhadores da saúde não contaminem suas famílias. Eu estou num hotel confortável, a três minutos de carro do hospital.
Os restaurantes da região têm enviado refeições de graça, no almoço e no jantar, para toda a equipe de plantão. Comemos por turnos, juntos: médicos, enfermeiros e soignants – técnicos, maqueiros, secretárias e seguranças.
Aqui na França, muita gente vai morrer. Já estamos enviando pacientes para a Suíça, Alemanha e Luxemburgo, pois faltam leitos de UTI. No nosso hospital há muitos jovens infectados.
Todo mundo aqui está trabalhando a todo vapor. Foram canceladas todas as férias.
Até o fim da semana teremos 400 pacientes POR DIA intubados na Île-de-France (a província onde fica Paris). É muita gente! Nosso hospital tem 120 pacientes com Covid-19. A previsão é que, daqui a 15 dias, os 692 leitos sejam ocupados por pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Todos os outros casos (infartos, AVCs, fraturas etc) são encaminhados a clínicas privadas. Cidade vazia. Polícia e exército nas ruas, multando quem não tem permissão de trafegar. Peguei a minha autorização hoje no hospital.
Dia 2
Mais um dia de confinamento em Île-de-France. Talvez o dia mais difícil de todos na minha vida como médico.
No texto anterior eu expliquei que a previsão era que se esgotassem todos os respiradores da província até o fim dessa semana, com uma previsão de 400 pacientes por dia.
Previsão errada.
Hoje praticamente todos os respiradores foram tomados. Em nosso hospital, por volta das 15h30, já não tínhamos como ventilar pacientes que precisavam ser intubados. Conclusão: desabou um desespero em nossas cabeças porque sabíamos que teríamos que escolher a quem salvar e a quem deixar. E foi isso o que automaticamente fizemos. Fui julgado por um grande amigo, de fora da área da saúde, quando lhe contei isso. Mas era isso ou deixar a peteca cair e não salvar ninguém! Ou tomar a decisão errada de salvar quem não teria chance.
Como na Itália (e acredito que na Espanha também), somos obrigados a decidir. O regulador do plantão telefonou para o que chamamos de Proteção Civil e o exército se encarregará de distribuir tendas com respiradores em volta dos hospitais estratégicos localizados ao redor de Paris. Medida de medicina de guerra (e foi este mesmo o termo utilizado aqui). Isso já acontece na Alsácia (leste da França, fronteira com a Alemanha).
Vi colegas com lágrimas nos olhos. Minha chefe ligava de hora em hora para saber o fluxo de pacientes no Pronto-Socorro. Sim, aqui, geralmente, a chefia é mais que um posto. E a chefe se mostrou uma verdadeira líder, compadecendo-se conosco pela situação.
Os mais graves eram encaminhados a unidades de internação Covid-19 para morrer com dignidade. E a cada 15 minutos, em média, recebíamos ligações da enfermagem dessas unidades confirmando que tal ou tal paciente não deveria ser reanimado. Todos eles com máscara facial de oxigênio a 15L/min e dessaturando.
A conduta era sedar e oferecer conforto e dignidade. Fomos tomados por uma sensação de impotência frente a uma doença nova. Esta é a minha primeira pandemia (e de quase todos aqui). Os rostos dos que atendemos à tarde passam por nossos pensamentos. Vimos, um por um, eles descansarem.
Sinto um misto de alegria por participar de um salvamento coordenado e, ao mesmo tempo, uma tristeza imensa por saber que, em muitos casos, estávamos e ainda estamos perdendo a batalha para esse vírus.
Às 20h se ouve o barulho de aplausos nas janelas. Mas só quem estava no front sabia o que estava acontecendo. As mortes se seguiam. O telefone não parava de tocar. A desesperança e as lágrimas eram visíveis nos olhos de todos. Só quem não participava eram os colegas já contaminados pelo vírus, pois estavam fora de combate. Sim, tenho colegas em casa esperando se recuperar pra voltar. Ou não.
No meio do massacre, a solidariedade era sentida como um mexer numa ferida aberta. A realidade sangrava aos nossos olhos. Os pediatras suspenderam o atendimento, uma vez que as crianças têm sido, quase na sua totalidade, poupadas da infecção. E esses pediatras se dispuseram a gerenciar as UTIs recém-criadas em várias unidades no hospital.
Parei no meio do dia, por alguns segundos, para mandar mensagens a familiares e pessoas mais próximas. Tanto pra desabafar como para prevenir de que o pior está por vir.
Os restaurantes continuam a mandar comida de graça para que não percamos tempo em escolher e telefonar. Não falta comida, nem máscaras N-95 (aqui chamadas de Fpp2), nem oxigênio. Nem falta vontade de exercer nossa sagrada vocação de salvar vidas. Mas o avanço da doença está mais rápido que a nossa capacidade de responder à altura.
Nunca me senti tão médico quanto hoje. E também mais ser humano. A experiência nos deixa saber, numa situação dessas, quem vai partir e quem vai lutar por três semanas (esse tem sido o tempo médio) intubado, pronado, sob diálise, para ressuscitar e enfrentar um longo caminho de fisioterapia e reabilitação até uma vida normal.
Agora as pessoas pararam de chegar (são exatamente 04h23). Meu colega, chefe de plantão como eu, foi descansar por volta das 2h30. Daqui a pouco é minha vez. Mas eu disse aos residentes que não consigo descansar. Eles também não. A realidade da medicina já é dura pra quem cai no ritmo de trabalho logo depois da faculdade. Nesse clima de guerra então… Vejo seus olhos assustados e desejo que não tivesse sido assim… Estamos no pico da infecção nesta semana e na próxima. Terei plantões dia sim, dia não – assim como muitos colegas por aqui. É a vida.
Às 10 da manhã a vida recomeça. Inicia com o que chamamos de Reunião Covid-19. Minha chefe reúne todo o pessoal do PS e nos posiciona sobre as últimas notícias, na França e no mundo, quanto à pandemia. Tomamos decisões, discutimos protocolos… e a guerra continua.
Uma enfermeira liga perguntando se pode quebrar o protocolo e deixar uma família entrar no quarto para se despedir do familiar (um pai, marido, avô). Não autorizo. Pela proteção de todos. Desligo o telefone. Lágrimas caem pelo meu rosto. Vou deitar e agradeço a Deus por estar vivo.
Recado aos brasileiros
Vocês, brasileiros, especialmente idosos, terão de ficar em casa por pelo menos dois meses, se quiserem viver. É que o pico aí no Brasil será daqui a um mês e o vírus é mais ativo em temperaturas baixas. Na minha opinião, isso vai se arrastar por aí se não forem respeitadas as medidas de confinamento.
Por favor. Levem isso a sério.
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Leituras para refletir
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Para que não falte, ou: não há nada errado com seu telefone. Professor Dr. Alexandre Romariz, da Universidade de Brasília. Leia.
Utilidades
Como medir o nível de proteção da sua máscara? O Prof. Henrique Toma (Professor Titular do Instituto de Química da USP) gravou um vídeo sobre o assunto para o canal do Projeto Ensinano. Faça o teste!
Contribua para o combate ao vírus
- O Projeto Égide – da Universidade de Brasília – que tem por objetivo principal combater a pandemia do novo coronavírus, desenvolveu a VESTA, máscara feita com nanofilme e destinada a profissionais de saúde. O equipamento filtra o novo coronavírus e o elimina assim que entre em contato com o material. Atenção, o link abaixo é a ÚNICA forma de contribuir para o projeto Égide. A equipe do projeto não pede doações e não entra em contato para fazer quaisquer tipos de pedido. Para contribuir, clique aqui.
- O Ministério da Saúde criou um canal para receber doações de insumos, materiais e equipamentos para o combate ao coronavírus. Para ajudar, basta enviar e-mail para juntoscontracovid19@saude.gov.br e informar o que pode doar, além das especificações do item e a nota fiscal ou declaração de propriedade. Entre os itens que podem ser doados estão desde máscaras, respiradores a equipamentos para realização de exames, como tomógrafos. Podem doar cidadãos e empresas nacionais ou estrangeiras, organizações internacionais ou mesmo países.
- Em todo o Brasil surgiram campanhas para arrecadar dinheiro e equipamentos de proteção para profissionais de saúde e comunidades carentes. Se quiser fazer alguma doação, clique neste link e escolha uma entre as iniciativas.
Em tempo real
Para acompanhar a evolução do número de casos e óbitos no Brasil, clique aqui.
Mapa da Covid-19 no planeta. Para acompanhar a pandemia no planeta clique aqui
Combate às Fake News
Recebeu no WhatsApp algum vídeo suspeito ou notícia sobre métodos revolucionários para se proteger do coronavírus? Melhor checar antes de espalhar a novidade. Veja as nossas sugestões: você pode entrar na página do Ministério da Saúde (clique aqui) ou no site elaborado pela equipe do G1 (aqui) a fim de conferir se não é boato, alarmismo ou fake news. Outra opção é entrar na página do jornal O Estado de São Paulo, especialmente dedicada às Fake News. O jornal O Globo lançou uma plataforma que ajuda a população a se manter informada sobre tudo acerca do coronavírus. Clique aqui para acessar a plataforma. Há também uma seção inteira da Folha de São Paulo que você acessa clicando aqui.
Atenção: Ministério da Saúde não pede doação de dinheiro.
Diante dos relatos reiterados de golpes que vem sendo aplicados por estelionatários por meio de chamadas telefônicas ou mensagens de Whatsapp, o Ministério da Saúde informa que não pede nem recebe doações em dinheiro, assim como não há fundo exclusivo para receber recursos da população para combate à pandemia de covid-19.
Da mesma forma, o ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em hipótese alguma solicita doações de recursos da população para combater a pandemia de covid-19. O Ministério da Saúde admite receber doações apenas de insumos, equipamentos e materiais médicos-hospitalares relacionados ao combate à pandemia. Os interessados em fazer doações desse tipo devem procurar o Ministério da Saúde por intermédio do e-mail juntoscontracovid19@saude.gov.br.