Em 15 de maio de 2020 o Brasil somou 14.817 mortes e contabilizou 218.223 casos confirmados de novo coronavírus. No mesmo dia, o país assistiu à segunda troca de ministro da Saúde. Nelson Teich deixou o Ministério após desentendimentos com o presidente Jair Bolsonaro acerca do isolamento e do uso do medicamento cloroquina para tratar casos mais leves de Covid-19.

No dia em que Teich foi exonerado, menos de um mês após tomar posse, o Ministério da Saúde informou que foram registradas 824 mortes e 15.305 novos casos por covid-19 em 24 horas – um novo recorde diário de ocorrências. No período de 29 dias da gestão Teich ocorreram mais 12.884 óbitos pelo coronavírus, um avanço de 666%. Quando Luiz Henrique Mandetta foi demitido, em 16 de abril, o Brasil contabilizava 1.933 óbitos por Covid-19.

Entre as principais notícias do dia está a de que um protocolo atualizado para o uso de cloroquina no tratamento da Covid-19 está sendo preparado pelo Ministério da Saúde, conforme nota divulgada na noite desta sexta-feira (15). De acordo com a nota da pasta, o medicamento – que já é usado em casos graves – será indicado também em casos leves, como deseja o presidente da República, apesar das advertências da comunidade científica.

Na coluna Palavra de Médico a última parte do texto reflexivo do Dr. Karl (pseudônimo) sobre o padrão “vidro fosco” das imagens radiológicas dos pulmões afetados pelo novo coronavírus.

A edição de hoje é dedicada à memória de dois médicos da Amazônia vitimados pela Covid-19: o psiquiatra Danilo David Santos Silva e a infectologista Gilberta Bensabath.

Danilo Silva, de 33 anos, trabalhava em uma UPA no Rio de Janeiro. “Meus pacientes precisam de mim, logo na semana que vem já tenho que ir salvar pessoas. Fico olhando aqui desse lado e só penso que eu poderia estar do outro lado ajudando”. A mensagem de celular foi mandada para uma amiga um dia antes do médico ser entubado no Hospital Escola de Valença, onde trabalhava. O psiquiatra morreu por Covid-19 na manhã do último domingo (10). Quatro dias antes de apresentar os primeiros sintomas de Covid-19, ele atendeu três pacientes infectados pela doença, onde também fazia plantões na emergência.

Danilo nasceu e cresceu em uma casa de palafita em Belém, no Pará. A mãe, manicure e diarista, e o pai, vidraceiro, economizavam a maior parte da renda para que ele estudasse. Aos 16 anos, passou em três faculdades: Enfermagem, Ciências Biológicas e Engenharia Ambiental. Dois anos depois foi aprovado em Medicina em uma faculdade pública de Belém. (Leia aqui a reportagem completa.)

A segunda homenageada, Gilberta Bensabath, tinha 95 anos de idade e era uma das mais importantes pesquisadoras do país. “É uma imensa perda para a ciência no Brasil e no mundo”, disse em nota o Instituto Evandro Chagas, onde a médica trabalhou desde 1960. Os estudos dela culminaram na prevenção e no esclarecimento clínico, epidemiológico e etiológico das hepatopatias fulminantes da Amazônia brasileira, entre outras relevantes
contribuições científicas na área da saúde.

No período em que esteve como diretora do IEC (1975-1979), criou as Seções de Patologia e Biotério e implantou o Centro Nacional de Primatas. Aposentada em 1994, continuou a trabalhar como voluntária e liderou pesquisas mundialmente reconhecidas e relacionadas a vacinas contra a hepatite B em parceria com o Instituto Butantan.

Para ler mais sobre a médica clique aqui. O Instituto Evandro Chagas disponibiliza todo o acervo da pesquisadora Gilberta Bensabath online. Para ter acesso ao acervo clique aqui.

Outro destaque do noticiário é a reportagem do Portal G1 sobre o médico Fernando Kawai, cujo texto publicamos neste Diário há duas semanas. Kawai trabalha em centro hospitalar no Queens, bairro mais afetado pela doença em Nova York. “No sistema de saúde mais rico do mundo chegamos a beira do caos. Fico muito preocupado com o impacto no Brasil’, disse o médico.

A imagem do dia é em 3D e mostra o coronavírus. O estúdio Visual Science, especializado em animações biomédicas criou o modelo mais preciso até o momento do Sars-Cov-2, o novo coroavírus, e lançou um vídeo que mostra as estruturas ampliadas do vírus que provoca a Covid-19. O Sars-Cov-2 é tão microscópico que chega a ser mil vezes mais fino que um fio de cabelo humano, segundo o vídeo. Para ver as imagens, clique aqui.

Boa leitura.

Estatísticas

Segundo as Secretarias de Saúde, o número de infectados no Brasil chegou a 222.877 pessoas. Os recuperados totalizam 69.969 e outros 89.429 estão em tratamento. No mundo, a pandemia já infectou 4.577.988 pessoas e matou 308.899. São considerados recuperados 1.653.196.

No Brasil, segundo os dados de ontem do Ministério da Saúde, as mortes por Covid-19 estão concentradas nos estados de São Paulo (4.501), Rio de Janeiro (2.438), Ceará (1.476), Pernambuco (1.381) e Amazonas (1.331).

Eis o número de óbitos nos demais estados: Pará (1.145), Maranhão (496), Bahia (281), Espírito Santo (260), Alagoas (187), Paraíba (170), Minas Gerais (146), Rio Grande do Sul (126), Rio Grande do Norte (122), Paraná (120), Amapá (103), Santa Catarina (79), Goiás (67), Rondônia (62), Acre (57), Piauí (60), Distrito Federal (55), Sergipe (50), Roraima (40), Mato Grosso (26), Tocantins (24) e Mato Grosso do Sul (14).

Para acompanhar a evolução dos casos em sua cidade, clique aqui.

Palavra de Médico

Vidro Fosco – Parte III

Karl

Uma forma estética de compreender a Medicina é encará-la como uma dança peculiar entre as Ciências Naturais e as Humanidades. Há muito se fala sobre isso. Pouco se divulga, no entanto, que a canção que as embala é a própria linguagem. E é frequente que, pela forma como cada uma constrói e se utiliza da linguagem, haja descompassos. E pisões nos pés de ambos os lados. Pois pode-se imaginar a ciência como um núcleo duro bem estabelecido de conhecimentos, conceitos e técnicas, afinal, o avião voa e os antibióticos ainda surtem efeito quando bem utilizados. Desse núcleo denso emanam “certezas” que vão se diluindo conforme nos afastamos do centro. Até um determinado ponto a partir do qual “certezas” é o que já não temos. A superfície de contato desse “campo” assim constituído com a realidade dos entes é a fronteira da experiência. Ao realizarmos uma experiência bem sucedida, estendemos nosso campo de “certezas” tomando-o da ingenuidade e do obscurantismo, como os neerlandeses tomaram a terra ao mar. Na periferia, muitas vezes não há nomes para as novas descobertas e os cientistas os emprestam das coisas conhecidas, criando metáforas úteis que ao migrar lentamente para a “área de certezas” central, vão se tornando comparações  operacionais e finalmente, firmes integrantes de edifícios teóricos. Um exemplo clássico é a metáfora “matéria é energia”. Assim, portanto, se move a Ciência. Contudo, a linguagem tem natureza diversa. Seu ponto de contato com a realidade é a literalidade e não a experimentação interior dos tropos, como seria lícito supor. O movimento é, dessa maneira, inverso. Para se expandir, os saberes linguísticos transformam a produção da monumental usina figurativa que fervilha em seu íntimo, primeiro, em quentes e belas metáforas, depois, em mornas comparações batidas e finalmente, em frios conceitos pensáveis. A primeira, portanto, se expande pela pujança de seus limites. A segunda, pela pressão exercida a partir do cerne.

Se pudermos aprofundar ainda um pouco mais nossa analogia e imaginar agora a coreografia desenhada pela união desses corpos titânicos que originam a Medicina, vamos entender que o metabolismo contrário de ambas faz com que valorizem diferentemente as metáforas. Houve um tempo em que a Ciência pretendeu esquecer esse movimento frenético e confuso – instável e impreciso diziam -, do fluxo de signos a interferir em suas ações. Parou na “incompletude de um teorema”. Houve um tempo também em que as Humanidades em geral, e a linguagem em particular, quiseram ficar livres do zunido provocado pelas metáforas e literalizar-se, a exemplo das Ciências Naturais. Desistiram quando “investigações filosóficas” vieram à tona. De qualquer modo, é possível ainda perceber um certo ranço de ambas as partes quando o assunto volta à baila. Todo casal tem seus tabus. Por todo o exposto, não deixa de ser curioso que a marca da pandemia que alterou completamente as relações humanas em todos os níveis ao redor do globo terrestre tenha como assinatura óptica uma metáfora visual. Vidro fosco. A importância em se resgatar o valor das metáforas reside precisamente no fato de que nosso mundo é construído por meio da atribuição de sentidos temporais aos entes e às coisas. Sentidos que se solidificam a partir da metamorfose do fluxo incandescente de metáforas produzido pelo cerne linguístico que consiste a base antropológica de todo e qualquer comportamento humano, independentemente da direção que tomam na medida em que são pensados. E por que é crucial a nós lembrarmos disso? Ora, porque ao esquecermos a origem metafórica de nossos conceitos, atribuímos a eles uma independência e uma eficácia causal que jamais possuíram. Além disso, os ordenamos de acordo com um esquema que é, em essência, metafórico (antropomórfico, como diria Nietzsche) e, o que é pior, nos colocamos sob o jugo deste mundo que era, primordialmente, de construção nossa! Em outras palavras, ao esquecer a origem metafórica de nossas construções mundanas corremos o risco de nos deixar tiranizar pelas nossas próprias fantasias.

IV

A Covid-19 expôs o nervo dolorido da desigualdade. Apresentou de maneira exemplar a debilidade de nossos sistemas de saúde. Esfregou na nossa fuça a fragilidade do planeta que habitamos e de nossos modos de vida perdulários.

Ao impedir a passagem de raios invisíveis através dos entremeios aerados dos pulmões de suas vítimas, a Covid-19 produz nas tomografias o efeito visual de um embaçamento que veio a se tornar sua marca.

Para contemplar esse vidro fosco em todo o seu esplendor, talvez seja preciso desmembrar o par dançante que constitui a Medicina. Sim, porque para as Ciências Naturais, o vidro fosco é a metáfora morta e solidificada que conceitua um padrão radiológico característico, mas não patognomônico, de uma enfermidade perigosa. Um processo acabado e encerrado sobre si. Uma denominação por simples analogia. O conceito operante de verdade aqui é a veritas romana, adequação à realidade das coisas.

Já para as Humanidades, entretanto, a metáfora – que aqui caminha em sentido contrário – nos diz que a doença ao mostrar, de fato esconde aquilo que deveríamos ver. Exibir a imagem de uma não-visão (um vidro não transparente) equivale a dizer “Olhe isso aqui e veja que você não vê!” Um paradoxo que, bem endereçado, poderia mesmo despertar uma interpretação alternativa da realidade: a verdade aqui é a Aleteia dos gregos antigos, desvelamento.

Mas, se “compreender é ver” como já quis tanta gente, compreender corretamente implica em educar a vista para captar as várias verdades que se nos apresentam. Haverá uma verdade científica e uma humana? Talvez, a COVID-19 queira nos trazer de volta a figura daquele cego dos filmes B que só adquire poderes especiais após perder a visão, não sem antes passar pelo estranhamento de um sofrido e catártico processo de adaptação. Um estranhamento que se inscreve reservadamente nesse tráfego intenso de idas e vindas das metáforas cotidianas e que nos permite intuir ao observá-lo atentamente, dada a agora poderosa imagem desse vidro fosco, que elegância e conhecimento são, de fato, verdadeiros e fundamentais cada um a seu modo, mas só são sublimes em comunhão.

Leia o texto do Dr. Karl também no blog Ecce Medicus, da Unicamp.

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