Acorda, minha filha, que tenho algo a dizer. Algo bom.

Nem dava para imaginar. A manhã havia surgido nublada. Nada indicava que seria diferente daqueles outros dias de bruma e tédio, janelas fechadas e uns olhos baixos.

A esperança, entretanto, sabe abrir caminho entre sombras.

Eu a senti chegando. Tinha passos leves e aroma de brisa fresca. Abriu as portas e liberou um grito longamente reprimido. Ele rompeu o silêncio, levantou a poeira das ruas, despertou andorinhas.

Quem gritava? Nós. Todos nós. A voz coletiva, catártica, tudo invadiu. Seu hálito escapou pelas frestas, agitou as folhas.

Uma cerejeira floriu. Flores adormecidas no berço dos botões viram a claridade. Pardais também vieram. Piavam.

A esperança estendeu um lençol de seda verde sobre o mundo. É ele que me cobre enquanto seguro a tua mão e sussurro ao teu ouvido: Há um remédio para este mal.

Acorda, minha filhinha, vem ver a luz do dia.

***

Pintura: Windflowers. John William Waterhouse