“A mão de Kino se fechou com força sobre a pérola e ele olhava em torno com desconfiança porque a cantiga do mal estava ainda em seus ouvidos.”
John Steinbeck, A Pérola
Pelo céu viajavam rochas antigas. Eram do tempo oculto em que as coisas começaram. Deslocaram-se por mais de 4 bilhões de anos, riscaram a Via Láctea e, cansadas, desabaram exatamente sobre a cidadezinha de Santa Filomena, no sertão de Pernambuco. Poderiam ter caído sobre a Casa Branca ou o Kremlin, o Vaticano ou Hollywood, mas acharam por bem bulir na vida dos homens simples.
A viagem das pedras pelo espaço terminou no dia 19 de agosto. Para os moradores de Santa Filomena, uma nova jornada começou no mesmo instante. Após encontrar o maior e mais cobiçado pedaço do meteorito, com 38,2 kg, um homem perdeu a paz. Agora vive atormentado pelo medo de ser roubado. É que a pedra pode valer até R$ 1 milhão e atraiu a cobiça geral.
“A gente acha uma pedra dessa e o pessoal já pensa que a gente virou milionário. Não é bem assim. A gente está muito tenso”, disse ao G1 o homem que encontrou o meteorito. Ele não quer se identificar nem mesmo para os vizinhos e guardou a pedra em um cofre fora da cidade.
Um representante da família levou o meteorito até o posto de combustível da cidade, para mostrá-lo aos pesquisadores. Ali, aproximadamente 200 fragmentos haviam sido comercializados por até R$ 40 o grama. Quando chegou a pedra de quase 40 quilos, foi uma comoção. O sossego da família desapareceu. Muitos fizeram lances altos pelo mineral. Um americano ofereceu 120 mil reais cash.
A cidade de 14.172 habitantes está abarrotada de gente de fora. Aproveitadores, cientistas e caçadores de meteoritos disputam as pedras. O prefeito não sabe o que fazer.
Para os cientistas, se a pedra for do tipo condrito, tem um valor ainda maior. Os condritos são preciosos porque representam fielmente a composição química no início da formação do sistema solar. Mais velhos que o nosso planetinha azul, portanto.
A pedra entrou na atmosfera da terra, queimou e partiu-se em milhares de fragmentos. Seu “grito” de agonia foi ouvido nas plantações de feijão e mandioca e nas casas onde dormiam pessoas despreocupadas de que o céu lhes poderia despejar rochas sobre as cabeças. O homem ouviu o estrondo, mas só muitos dias depois decidiu começar a procurar o meteorito nas suas terras. Encontrou-o cravado no solo bruto e logo descobriu que valia uma fortuna. A paz de espírito se foi.
“Isso virou um pesadelo. A gente passou uns dias sem comer e dormir. O objeto tem valor e todos têm interesse aqui”, lamenta-se a mulher do homem que encontrou a pedra.
Leio as notícias da pequena Santa Filomena lembrando de John Steinbeck. Num pequeno romance, A Pérola, ele narra a história de uma família de pescadores – Kino, Juana e o bebê Coyotito – cuja vida muda completamente quando o chefe da família encontra uma enorme e valiosa pérola.
No livro, a mudança nas relações, a cobiça, a inveja, os temores e os desejos vis a se infiltrarem nas almas são a canção malévola da pérola do mundo. Uma canção que ultrapassa os limites da terra e pode ser entoada até pelas rochas que viajam pelo espaço. Estas caem nos nossos quintais e fazem brotar esperança, medo, ganância e todas as mazelas desta caixa de Pandora que é o coração humano.
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Pintura: Alegoria da Avareza. Jacopo Ligozzi (1590)