Fiz um post de mocinha, trabalhado no otimismo, mas as redes, tão azedas, não captaram nadinha. Uns 600 se empolgaram. E o restante? Só curte quando tem treta! Reclamaram reclamaram. Por email e pelo zap. Como odeiam o meu Brasil, que chamam de terra de araque: “Ô país mal ajambrado, de gente mal-educada. Tudo aqui está tão errado. Melhor chamar a Armada”. Heim? Não!
A coisa de fato anda feia, sem muito motivo de riso. Proteste, critique e não cale, mas note que o chão anda liso. Já disse Mister Miyagi (ou o Platão, já nem sei) esse trecho que os sabidos deviam tratar como lei: se o homem se torna odiento, vira alimento de bicho – daqueles bem pequeninos, que comem por dentro da gente. Uns devoram as carnes frescas; outros mastigam a mente.
Quer odiar o Brasil? Cuidado com isso, meu bem. Prefiro criticar homens-feras que roubam sem freio esse trem. De gente chata e patrulheira, já ando pelas tabelas. Abaixo todo mundo agora: os ladrões reincidentes e os fiscais da vida alheia. Ah, deixe o Brasil fora disso, que ele é vítima também.
Não perdi o rebolado. E já que virei Polyanna, vou fazer post de novo. Desta vez com uma listona.
Anote aí.
Bilhões de gentes no mundo não sabem o que é feijoada, churras de gaúcho, brigadeiro, festa junina, goiabada, cajuzinho (olha aí, seu Caco Antibes), samba no pé, pão de queijo, guaraná Jesus (fiquei diabética só de digitar), pequi de Goiás, sarapatel, tacacá, frevo, forró, maniçoba, caipirinha, coxinha, pitanga, jabuticaba, tapioquinha (do Norte e do Nordeste).
Café quentinho de tarde. Café de mãe. Preto, forte, cheiroso. Não aquelas coisas aguadas que se fingem de café. Feijão fervendo na panela, com cabeça tronco e membros de um porco sacrificado (Deus o tenha, coitado), acompanhado de pimenta, couve frita, arroz e uma boa farofa. Ai, meu São Zeca Pagodinho.
Lençóis Maranhenses, Jalapão, Copacabana, Pantanal, Serra Gaúcha, Chapada, floresta amazônica, Cataratas do Iguaçu.
Quem não vive no Brasil corre o risco de morrer ignorando coisa à beça: que a cuca vem pegar, saci só tem uma perna e a mula não tem cabeça. Não esqueça!
Estrangeiros não derramam lágrimas sentidas pelos corroídos profetas de Congonhas nem passam a Semana Santa fazendo os Passos da Paixão nas capelas do Bom Jesus. De Praga? Não, de Matosinhos. Com Aleijadinho.
Nunca viram a procissão se arrastando feito cobra pelo chão. Pois Aparecida e Círio de Nazaré, meu filho, fora daqui não tem, não.
Não saberão como é passar uma tarde em Itapoã, ouvindo o batuque do Pelourinho, comendo acarajé, vatapá e cocada no tabuleiro da Dadá.
Tem que aprender nossa língua para ler o bruxo Machado. Direto naquela fonte onde nadam dona Emília e seu Lobato. Fato. Estrangeiros são órfãos da poesia de Drummond, Mário (quem? O de Andrade! ), Cecilia, Quintana e Bandeira. Coitados, lutarão para ler o Rosa e todos os mil reboliços, grafados em verso e em prosa.
Nós, só nós, sabemos que Gonzaga bordava o vestido de Marília, que o Cláudio Manoel foi suicidado e que Dona Bárbara Heliodora enlouqueceu quando o poeta foi exilado.
Somente aqui e no avozinho Portugal se conhece saudade. Os outros sentem, mas não traduzem. A palavra mágica só pode ser pronunciada (contou-me o Caetano) quando a sua língua toca a língua de Luís de Camões. E a de Pessoa, Florbela, Mário de Sá Carneiro, Padre Vieira (opa, é padre, não pode), Lima Barreto, Cruz e Souza, Castro Alves, Clarice, Alencar e Sabino.
Note que nem falei em palavras que só a gente sabe dizer: inconstitucionalissimamente, Tarcisio e esternocleidomastoideo. De fazer corar alemão.
Digo mais: os Irmãos Wright levaram a fama, mas o charme de Santos-Dumont é imbatível. Quem pilotou a libélula em Paris, vestido de dândi, chapéu customizado e relógio Cartier com o nome dele? Único. Nosso.
Nosso país-mãe, que a gente xinga sem dó quando está com raiva e depois morre de arrependimento: bananão, banânia, republiqueta. Que feio, heim? Atacando a própria mãe. Tome tento, criatura. Ou você acha que japoneses, americanos, canadenses e holandeses saem por aí xingando seus países?
E nosso povo, Soninha? Mal educado, troncho, ignorante, reclamão. Ah, pequeno gafanhoto, tem muita gente bem louca soltinha nesse mundão. Aqui também. Dá vontade de esganar, isso ninguém vai negar, mas essa é a parte em que toca o tema da Grande Família e a gente se põe a dançar.
Com amor, Soninha (Made in Brazil. Nome importado, produto 100% nacional).
P.S. Tupã está vendo você contribuir para a bagunça geral brasileira e ser modelo de comportamento na terra alheia, viu? Sua ficha já consta no HD do juízo final e o capeta fez backup. Nem tente negar.
P.S 2. Você até pode discordar de mim, mas saiba: no dia em que deixar a nossa terra e estiver completamente desarmado, vai ouvir um lamento de violoncelo. Prepare-se, é o Villa-Lobos! Aí, meu amigo, você cantará a ária das Bachianas #5 com um monte de lágrimas pingando, porque a alma é brasileira. E ela dá as caras quando menos se espera.
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Pintura: A Cuca, de Tarsila do Amaral.
Muito bom!!!
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