“And all the lives we ever lived and all the lives to be are full of trees and changing leaves…” (Virginia Woolf. To the lighthouse)

O outono abriu as portas de outubro e me fez ver as folhas se desprenderem do corpo das árvores rijas. Dançaram com o vento num redemoinho e pousaram suavemente no chão. Um violão tocava ao longe, alguém murmurava uma canção, eu enxergava além das colinas.

Tudo mudou, num repente. Na véspera havia sol e calor, os dias eram longos e risos abafados eram ouvidos atrás dos muros.

Mas hoje há o céu encoberto e ele tem sua beleza. A fria brisa que sopra faz arrepiar a pele mas carrega um perfume de eras passadas, do que outros viveram. Talvez sejam as abóboras, o trigo, o aroma de maçã e canela, tão semelhantes aos dos ciclos antigos. Não ser exceção me põe um sorriso nos lábios. Tão iguais e tão únicos.

O outono chegou na ponta dos pés. Trouxe a lua das colheitas, o milho maduro, as cores da terra e as castanhas. Os celeiros estão cheios, as árvores cansadas das gestações e dos partos.

Perséfone se despede. Logo vai atravessar os portões de ferro de um mundo de mortos. Sua silhueta recortada contra o céu de chumbo põe gotas de saudade antecipada nos espíritos. Ela se volta e sorri, lânguida e compassiva. Gosta da terna melancolia das horas douradas, recolhe flores secas e as põe nos bolsos dos vestidos. Reina sobre a decadência e a memória.

Agora é um tempo de pausa, antes que venham o inverno e seus rigores. Cairá alguma neve no alto das montanhas. Será um tempo de ficar em casa, a ouvir os silêncios, a beber a calma.

Tiro os sapatos e me recolho, sem saudades das flores. Há algum tempo antes de chegar o inverno e posso, nessas noites embaladas por doces rumores, me preparar para o que virá. Colo nos cadernos as folhas de bordo – amarelas , vermelhas, marrons e roxas. Cada uma guarda a poesia única da lembrança.

A terra está repleta de vida. Ainda.

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Pintura: Albert Bierstadt, Saco River, Maine.